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A Noite da Literatura Europeia 2020 ouviu-se na rádio

Por Cris Rodrigues · Em 11/07/2020

Após mais de três meses de pandemia e noites de distanciamento, a Noite da Literatura Europeia teve contornos literários bem diferentes dos anos anteriores: deixámos de ser só nós e o livro. Estes chegaram-nos em pedaços, os excertos foram lidos por vozes já conhecidas de outras noites mas, desta vez, não calcorreámos Lisboa nas suas ruas e vielas, ou nos sentámos em espaços emblemáticos e históricos da cidade; não tivemos burburinho, ou bandeirolas de voluntários, que nos acenavam e iam indicando o caminho para a próxima leitura, o próximo país. Nas noites de 25 e 26 de Junho estivemos cada um no seu sofá, degustando as leituras com banda sonora à altura do momento, numa edição em que a Noite da Literatura Europeia no Ar nos chegou através das ondas radiofónicas da Smooth Fm, numa peregrinação sem igual e sem direito a passaporte, acompanhada de momentos musicais.

“Point of no return” – Bobby Womack
“Embraceable you” – Chet Baker
“What a wonderful world” – Louis Armstrong

Depois da introdução musical e da mensagem positiva de “What a wonderful world”, é na voz de Gonçalo Câmara que a abertura da Noite da Literatura Europeia no Ar acontece, com “Atlas”, do autor austríaco Thomas Köck. A leitura é sufocante e, na voz de Olinda Favas, fica-nos a remoer: “Quem na vida nada valia, na morte nada vale”. Um primeiro momento marcado por uma leitura quase sem pausas, cortando a respiração de quem lê e de quem ouve, fazendo sentir o naufrágio que acontece dentro daquelas páginas.

“Makin whoopee” – Ella Fitzgerald
“I concentrate on you” – Frank Sinatra e Tom Jobim

Entre sonoridades de outros tempos, retoma-se a tranquilidade da noite para chegarmos até Portugal, que dá destaque à obra de Joana Bértholo que, com um conto inédito – O que pedir -, nos transporta até aos rituais do “pão doce com velas ao centro“, numa forma de celebração com origens místicas, tudo para culminar nos fogos que fazem arder florestas inteiras – seja por esse mundo fora ou aquelas que ardem cá dentro.

“Mad about the boy” – Dinah Washington

Com “l.o.v.e”, de Nat King Cole, chegamos quase a meio deste primeiro dia, dando as boas- vindas a Ulisses Ceia, uma voz já conhecida e que costuma marcar pontos nas leituras mais encenadas e emotivas – e neste dia não foi excepção. Leu, aguçando-nos o apetite para um banquete vindo directamente da Alemanha, numa leitura que poderia ser um menu: “As ilhas dos pinheiros”, de Marion Poschmann.

Gonçalo Câmara não quis que abandonássemos o território alemão sem antes nos brindar com “Jungelknugen”, de Todd Terje, numa versão que não fomos capazes de descobrir online – o Shazam foi um aliado nesta noite literária. Seguiram-se “Fever”, de Ray Charles & Natalie Cole, e a fabulosa “All i do is dream of you”, de Dean Martin, que faz as delícias de qualquer par que queira rodopiar.

Na voz de Michael Buble chega “Mack the knife”, ideal para um passinho de dança, assim como o sambinha bom que se seguiu: “Agua de beber”, de Astrud Gilberto. Para nos voltarmos a sentar e saborear mais um trago de vinho há “Dream”, de Eliane Elias, antes de uma visita a Espanha pela voz de Pedro Saavedra – é incrível o quão o tom tão radiofónico e vivido nos permitiu ver o personagem fugidio e invisível de “O dia em que perdemos a cabeça”, de Javier Castillo, um fenómeno literário que tem já continuação – ambos os livros estão publicados em Portugal.

As vozes clássicas, poderosas e inconfundíveis de Percy Sledge e Nat King Cole quebram o tom citadino e diarístico do último personagem, conduzindo-nos às terras frias da Finlândia e ao universo particular da tão distinta Sofi Oksanen – e o seu “Norma”. A voz de Ana Água desperta-nos para uma mulher transtornada entre memórias, numa leitura que ganha bastante por ter tido cenário – mesmo sem o vermos -, já que o ruído como pano de fundo transformou todo o episódio que foi lido, tornando-o mais vivido para o ouvinte.

Novo momento musical com “I’ve found a new baby”, de 24 Robbers Swing Band, que foi quase como encontrar a agitação das ruas lisboetas quando por lá andávamos noutros verões, palmilhando edifícios históricos – ultimamente apinhados de leitores curiosos com o formato genuíno deste evento.

A nostalgia de “Nevermore”, de Alfredo Malabello, chama-nos de volta ao recanto do lar, na solidão povoada dos nossos pensamentos, encaminhando-nos para o último momento literário da noite com “Vernon Subutex 1” – que tem ganho lugares de destaque nos escaparates internacionais, não tendo sido por cá excepção. As palavras da francesa Virginie Despentes chegam-nos por Cátia Tomé, que leu com o ênfase adequado um trecho ritmado e até furioso, aguçando a curiosidade para esta narrativa musicada que expõe uma Paris cheia de revoltas.

A primeira noite deste evento terminou com “Black Trombone”, de Serge Gainsbourg, e “Honey”, de Charles Brown, ambas em jeito de cereja no topo do bolo – na falta de bolo termina-se o chocolate e o copo de tinto, sabendo que no dia seguinte há de novo encontro marcado.

A 2ª parte da peregrinação literária, palmilhada nas ondas da rádio, não poderia arrancar melhor. Aliás, a Croácia tem tido ao longo dos eventos o condor de conseguir, com os livros, os autores e as passagens escolhidas, impulsionar o leitor para viajar até ao seu país verdejante de águas cristalinas. A marcar a abertura: “Vulkano”, interpretado por Arijana Medvedec. De seguida a voz de Robbie Williams, com “Have you met Miss Jones”, e um clássico na voz de Norah Jones: “Love me tender”.

As leituras seguintes remeteram para a tão habitual ligação entre livros, filmes, poemas, músicas. O homem dilacerado pela criação, confuso entre crenças ao sabor de “O Tango de Satanás” – livro de László Krasznahorkai -, ouvia-se na voz de Miguel Loureiro, trazendo ecos do “O Mostrengo” de Fernando Pessoa.

A música continuou na Roménia que, em boa hora, nos revela “Hungarian Blues”, do álbum “Appassionato”, uma composição instrumental de Contempo. Da Roménia ouve-se uma leitura a duas de “Uma Manhã Perdida”, interpretada por Inês Lapa e Lavínia Moreira, narrando a história entre a História das guerras – relembrando de certa forma o divinal “O osso da borboleta”, de Rui Cardoso Martins.

Segue-se uma peça para piano do compositor russo Paul Dykstra, difícil de encontrar online, juntamente com outras duas, também elas ao piano, que fazem uma pausa nesta noite de leituras – talvez para nos preparar para a leitura seguinte, que da Polónia nos traz “As mulheres do Solidariedade”, interpretada por Alexandra Teles, revelando as mulheres apagadas da história de um país e onde se escuta “quantas vezes se pode repetir a mesma história”, fazendo-nos questionar: O que é militância ultrapassada? Uma militância fora de moda? Remexer no passado é ser-se militante? Pode a solidariedade ser imposta por decreto? Um livro transversal a muitas histórias de mulheres, histórias de muitos países e de muitas militâncias que não têm fim à vista.

Nas músicas seguintes, vozes femininas Stacey Kent e Diana Krall, destacando-se a voz polaca de Gaba KuIka na melódica “Czy to wszystko ma sens”. Embalados pela orquestra e numa língua desconhecida, entramos em território conhecido para ouvir um trecho do último livro de Mark Haddon. Num tom mais para a infância chega-nos “O Golfinho” que nos recordar o gostinho de viajar, onde escala é sinónimo de escape. Adormecer em Istambul e acordar em Berlim, lê Filipe Costa. Mas não, aterrámos em Itália na inocência da infância – e numa leitura que, mais uma vez, traz uma paisagem sonora que faz toda a diferença e até nos dá música, embalando o encontro tão desejado pelos personagens.

Na recta final Amanda Brecker canta “Tristeza não tem fim, felicidade sim”, preâmbulo à poesia checa de Jitka N. Srbová, com os entes mágicos da floresta – poema destacado na Antologia Anual de Poetas Checos. A mensagem final salientou o mais importante: a possibilidade de trazer ao público, mesmo que neste novo formato, os livros e as leituras, destacando a importância de ouvir, em português, trechos de uma panóplia literária europeia, que marcam as tendências literárias actuais pela Europa fora. A despedida musical não foi em português, mas ficou muito bem entregue à eterna Billie Holiday.

*

Banda sonora da Noite da Literatura Europeia, numa parceria EUNIC/Comissão Europeia com a Smooth Fm, para trazer até aos peregrinos que, nos últimos anos, palmilharam Lisboa em busca de bons momentos literários e carimbos num passaporte nocturno para o Universo dos Livros.
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Cris Rodrigues

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