Ler “A Nebulosa” (Antígona, 2016), de Pier Paolo Pasolini, é como entrar numa cápsula do tempo e aterrar em 1959, na cidade de Milão, no meio de um gang de Teddy Boys que deambula pela noite de passagem de ano em busca de emoções fortes.
O grupo de Rospo, Tepa, Gimkana e companhia entra numa espiral de provocações, escaramuças e agressões à medida que as últimas horas do ano se esgotam. Paira na narrativa um ambiente de Pathos com notas de Tragédia Grega, indiciando uma caminhada para a catástrofe protagonizada pelo irmão mais novo do líder, o pequeno Cino, num final inesperado.
Na narrativa de “A Nebulosa” não há tempos mortos e, quanto à ameaça que paira sobre as personagens (como que possuídas por uma dinâmica tribal de grupo), é mantida pela descrição de façanhas mais perigosas a cada capítulo que passa.
Este não é um romance convencional. Pier Paolo Pasolini escreveu o guião de um filme e conseguiu imprimir realismo e dinâmica, baseados em contextualizações espácio-temporais sucintas mas descritivas q.b (reforçadas por descrições de cenários, expressões faciais, gestos e pensamentos) e em diálogos construídos com a linguagem própria de uma horda de Teddy-Boys que procura sacudir o moralismo burguês da sociedade Milanesa de 1959.
Ler “A Nebulosa” é como entrar no filme, ser uma personagem (ainda que invisível). Neste livro guião/romance, a sucessão de acontecimentos e a velocidade a que tudo acontece é tal que nos sentimos parte da história, como se estivéssemos sentados ao lado da nossa personagem preferida ou fôssemos o motorista do grupo.
As personagens-tipo de “A Nebulosa” servem o objectivo bem-sucedido de descrever um fenómeno da sociedade europeia dos anos 50: a juventude do pós-guerra começa a sair à rua e, numa atitude provocadora e a roçar o violento, questiona os valores morais da sociedade. Pela primeira vez na história, existe um movimento organizado de adolescentes cuja rebeldia se manifesta também na estética. Buscando novos símbolos e locais de lazer, os jovens do pós-guerra saem de casa e utilizam o espaço urbano para sociabilizar. O antropólogo Ted Polhemus afirma que, no momento em que as ruas foram ocupadas pelos jovens, houve uma sensação de pânico social e perda de controlo que partiu das camadas mais conservadoras. A relação entre o “curtir” na rua, sem necessariamente se ter algo “útil” para fazer, vai gerar polémica alardeada nos meios de comunicação, principalmente no que diz respeito à violência exercida pelos “gangues juvenis”.
Pier Paolo Pasolini não se esquece de outro dos elementos fundamentais do fenómeno Teddy-Boys: o nascimento de uma espécie de estilismo ou moda agregadora destes grupos. O estilo dos Teds misturava a elegância e a distinção Eduardiana com o ecletismo dos cowboys norte-americanos. O look dos Teds era composto por um paletó longo com gola de veludo, item fundamental do visual, geralmente nas cores azul ou cinza. As calças eram afuniladas. Utilizavam gravatas slim jim e maverick, inspiradas nos cowboys norte-americanos. Tão importante quanto as roupas era o cabelo, no qual se utilizava bastante fixador para moldá-lo. Na parte da frente, o topete era incontornável e, na parte de trás, utilizavam um estilo chamado Duck’s Arse .
O pequeno bando de “Rospo”, descrito por Pier Paolo Pasolini, é um arquétipo bem construído do primeiro grupo organizado de adolescentes que “aterrorizou” as principais metrópoles europeias nos anos 50, e que esteve na génese de outras subculturas citadinas da europa contemporânea.
A comparação de “A Nebulosa” com a obra “A Clockwork Orange” (1962) – “Laranja Mecânica” na versão portuguesa -, do autor inglês Anthony Burgess, justifica-se, atendendo à cultura “Teddy Boy” que pontuava o romance de Burgess. Nesta famosa “Laranja Mecânica” assistimos a uma narração na primeira pessoa sobre as façanhas violentas de Alex, e o seu posterior condicionamento psicológico (não menos violento). Tal como a obra de Burgess, “A Nebulosa” tem uma versão cinematográfica – “Milano Nera”, de 1961 – mas infelizmente não contou com a mestria de Stanley Kubrick (que lhe valeu uma nomeação para Óscar do melhor filme em 1971).
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