“A Mulher que Correu Atrás do Vento” (Companhia das Letras, 2019), de João Tordo, traz à boca de cena 4 mulheres, 3 países e mais de 1 século para friso cronológico. Isto e mais uma antologia de livros, músicas, contos, peças de teatro e inúmeras referências, que pretendem enredar ainda mais o leitor. Dito assim parece simples, mas quem é assíduo nas leituras deste autor sabe que o espera sempre um livro mais intrincado que o anterior – e este não é excepção. No entanto, todo este romance, ou os livros dentro deste livro, são sobre a luta entre o esquecimento e o abandono, de gente que é mais vento do que gente.
Ano de 1992. Beatriz é uma mulher jovem, cáustica e de contornos esbatidos, uma descrição dúbia para uma personagem que se debate consigo mesma. A escolha musical recai, entre outras referências, num álbum de Nick Cave, que combina bem com a Lisboa chuvosa e melancólica. Ou com Gusmão, o professor-escritor, feio e com os lábios contraídos dos doentes terminais, dono de uma expressão de apatia emocional. Uma apatia – ou até mesmo paralisia emocional – que é um traço comum a todos os personagens, como o rapaz de olhos enormes, fundos como a escuridão de um poço, ou Lia, com a sua selvajaria de criatura abandonada.
Embalados por Morning Mood, de Edvard Grieg, tentamos perder-nos pela Baviera idílica, pejada de montanhas e castelos emblemáticos, tal como os Opus que Lisbeth Lorenz ensinava e compunha, entrando noutra dimensão do romance. O abandono, a escuridão e a melancolia atravessam o século para se unirem ao medo e às dores antigas de uma mulher, que se confronta com um misto de inocência e prodígio em Jost, um menino cujos olhos pareciam só ver para dentro de si mesmo e do seu mundo musical muito próprio. Cada um, enclausurado na sua dor, assombra todo o livro.
Nos capítulos seguintes oscilamos entre os anos noventa e 2015, voltando às vidas de Lia e Beatriz que, necessariamente, se cruzam com as da pianista Lisbeth e da actriz Graça Boyard, juntando assim as 4 mulheres em palco, avançando na história e pendulando entre as memórias e o peso da consciência. Tudo para culminar na apresentação de um cenário e do ensaio geral, capítulo que dá um novo ritmo à narrativa e uma outra dimensão às palavras rejeição, culpa, abandono e redenção.
“(…) a humanidade salva-nos de sermos humanos, remove os nossos defeitos e os nossos medos, mas é uma ideia grandiosa que não tem cabimento neste mundo.”
São esses defeitos e medos, os estados de espíritos perturbados e as indecisões paralisantes, os acasos e os lugares melancólicos, os cheiros que persistem (“Cheirava — a quê? A cânfora, a lareira… Cheirava a lágrimas e a sal quando a abraçava.”) e os olhos muito entregues às profundezas, os ingredientes que Tordo mistura muito bem, prendendo o leitor na busca por compaixão e pela redenção das personagens, “como quem tenta encontrar florzinhas perdidas no meio de um desastre nuclear“.
Sem Comentários