É uma das apostas da Editorial Presença na colecção comics, que poderá ser considerada ganha no final de apenas um volume. “Siúil, a Rún” (Editorial Presença, 2023), livro que marca o lançamento de A Menina Que Veio do Outro Lado – cuja publicação original aconteceu em 2016 -, leva-nos a percorrer uma terra longínqua, apartada entre dois países que escolheram a incomunicação: o país de fora, lugar onde habitam criaturas capazes de amaldiçoar pelo simples toque, e o país de dentro, geografia onde habitam os humanos.
Há, porém, uma união improvável e com todo o ar de um enigma, entre o Doutor, uma criatura animal, sem paladar e sem boca, e uma menina que vê nele uma espécie de tio louco, sem saber que este a protege do abandono com uma série de mentiras protectoras. Afinal, como o Doutor diz para si próprio, “mais do que dizer-te a verdade, não aguentaria ver-te entristecida”.
Entre execuções, suspeitas de maldições e um diário que traz alguma esperança, o leitor vai aos poucos movendo-se neste território abençoadamente movediço, onde impera uma lei tácita que ninguém parece decidido a desafiar: “Quem está no país de fora, não é humano. É um forasteiro amaldiçoado. Mesmo que se pareça com uma pessoa ou uma criança”.
Um livro sobre a importância do toque, a desconfiança ou a doença, envolto em silêncios audíveis, um negrume misterioso, uma chuva que se sente e que chega à boleia de incríveis ilustrações, que criam a oposição entre o humano e o monstruoso para depois o fundirem num improvável abraço. Uma espécie de A Bela e o Monstro escrita com o sentimento e a verve da Estrada de Cormac McCarthy – e a benção de Neil Gaiman. Um começo assombroso e muito recomendado, que tem já continuação nas livrarias.
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