M. Forster (1879-1970) é um clássico, venerado por uns, ignorado por outros, actual e de leitura recomendável para muitos. Sobretudo conhecido e admirado por obras como “Um Quarto com Vista” (1908), “Howards End” (1910), “Passagem para a Índia” (1924) e o já póstumo “Maurice” (1979), Forster foi um defensor do sentido crítico e da abertura de horizontes do ser humano, da liberdade de questionar e de ir mais além. À sua maneira, afrontou em discurso e em comportamento importantes convenções sociais, servindo-se do seu aturado sentido alegórico para alertar mentes mais amorfas.
Forster fartou-se de avisar que o ser humano estava a deixar-se escravizar pela ciência e pela mecanização do quotidiano, pela mobilidade cada vez mais apressada, pela desvalorização do contemplativo e do introspectivo. Fartou-se de alertar para a importância das relações pessoais e da vida privada. Não podendo vir mais a propósito aos dias de hoje, o turismo foi tema concomitante nos textos de Forster, essas “deslocações geográficas como atracção superficial e de mirones com dinheiro”.
“A Máquina Pára e Outros Contos” (Antígona, 2020) é uma colectânea de textos precocemente escritos por Forster, com menos de trinta anos, com um ideário desenvolvido e maturado em romances posteriores. Envoltos em densas mensagens éticas, neles se encontra uma poderosa combinação de simbolismo e mitologia, de ironia e significação alegórica, usada como forma de denúncia e de alerta para os efeitos da mecanização do mundo e para os riscos de se desrespeitar a natureza, pretendendo-a organizada e lucrativa.
M. Forster concebeu e retratou para além do seu tempo e da materialidade da realidade, revelando dimensões subliminares do ser humano. E fê-lo através de narrativas com uma forte carga simbólica e projectiva, só possível em alguém que viu muito além do seu tempo.
“A tristeza de um demiurgo inábil que concebe o mundo e observa que este está mal concebido. Desejava pedir perdão às suas criaturas, muito embora estas fossem demasiado deficientes para que lho pudessem conceder.”
Nesta compilação que a Antígona apresenta, “A Máquina não Pára” revela-se uma crítica à avidez do ser humano, à obsessão pela perfeição e pelo conforto, à aniquilação das emoções. Seguem-se outros contos que salientam como a vida pode ser alterada e até interrompida pelo poder da decisão individual de continuar ou de alterar rumos. A relevância da decisão ao contrário do dominante. No cômputo, onze histórias reveladoras da sensibilidade do autor para integrar o valor da identidade e da vontade individual, especialmente quando esta afronta a escolha dominante. Em todos os relatos, o retrato do seu tempo está lá, na caracterização dos personagens e dos lugares ainda que, em quase todos, os epílogos revelem o mais profundo da sua natureza vanguardista.
Nas décadas de 1930-40, E. M. Forster conviveu de perto com George Orwell, ambos mentes brilhantes na denúncia dos riscos do totalitarismo e do determinismo colectivo, produtores de evidências que na actualidade ainda há quem não queira reconhecer.
Na medida da afirmação do próprio E. M. Forster, “ninguém consegue compreender a vida moderna sem algum conhecimento das suas origens“. Regressemos e abracemos pois os clássicos, para melhor compreendermos e gerirmos os desafios do pensamento, da emoção e do comportamento contemporâneo.
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