Ternura: manifestação comum entre pessoas que se gostam e sentem um carinho (e)terno umas pelas outras. Ao ler “A Manta do José” (bruaá, 2019), o nosso coração é invadido, sem grande alvoroço, por uma doce ternura.
A lombada do livro – em tecido verde água – a cadeira vazia e a capa do pequeno José podem parecer insignificantes, mas o leitor está a ser presenteado com indícios ténues sobre a narrativa, de forma cuidada e esteticamente sedutora. O giz de alfaiate, nas guardas negras, risca o afecto que o José tem pelo seu avô.
“Quando o José nasceu, o avô, que era alfaiate, ofereceu-lhe uma manta, uma bonita manta feita à mão para o berço do seu primeiro neto”. Assim começa a história adaptada, por Miguel Gouveia, da tradição judaica sobre a infância, a passagem do tempo, os laços familiares e os afectos.
“O que o avô não adivinhava era quanto o José ia gostar daquela prenda. Mesmo passados aqueles anos, mesmo depois de ter aprendido a andar e a falar, o José e a manta mantinham-se inseparáveis.”
A manta. Sempre a manta. A manta que acompanha José durante o seu crescimento é aproveitada e reinventada para várias peças de vestuários ou simples acessórios. Quando parecia que o tecido tinha sido vencido pelo tempo, José corria à oficina do avô e perguntava-lhe se “podia fazer alguma coisa com a manta”. O avô media, cortava e cosia, voltava a medir, a cortar e a coser batalhando contra o tempo. Tempos distintos: o tempo de nascer, de crescer, de amar, de envelhecer, e o tempo de silêncio.
Silêncio. Espera. Tempo de encontro. Tempo para escrever e contar. Contar para superar a linearidade do tempo. Contar para que o passado, o presente e o futuro sejam um só, e para que a velha manta, que o acompanha ao longo do seu crescimento, dure para sempre. Que a ternura pacifique a saudade.
O livro é ilustrado pela autora espanhola Raquel Catalina, em estreia no panorama editorial português. Miguel Gouveia, fundador da editora em 2008, assina o seu primeiro livro pela bruaá.
Sem Comentários