Com “Rio do Esquecimento”, livro finalista do Prémio LeYa e semi-finalista do Prémio Oceanos, Isabel Rio Novo mostrou uma apetência especial para fundir o registo histórico com o engenho ficcional. Um engenho que continua em alta em “A Febre das Almas Sensíveis” (D. Quixote, 2018), também ele romance finalista do Prémio LeYa, um livro que recupera a memória de uma doença esquecida nos tempos modernos.
Estamos em Portugal, na primeira metade do século XX. Vivem-se as provações da guerra, e a propaganda chega com regularidade às caixas de correio. O isolamento faz-se sentir, ainda mais num país atrasado em termos sociais, culturais, educacionais e em questões de saúde. A tuberculose é uma das principais causas de morte e, sem dispor de recursos ou medicamentos, os médicos recomendam aos infectados o internamento em sanatórios instalados em zonas de altitude, como aquele localizado na Serra do Caramulo. Já a medicina popular, sempre criativa, ia-a combatendo com água quente e canja de pombo.
Isabel Rio Novo tece a narrativa em torno de uma família, também ela atravessada, a certo ponto, por esta doença que, por razões misteriosas, exercia tremendo fascínio entre a comunidade intelectual e no ideal de beleza feminina: “A palidez, os olhos húmidos, as faces enrubescidas e a rouquidão da voz sublinhavam a languidez dos corpos, a alvura dos dentes e a tonalidade dos cabelos, tornando os anjos tísicos modelos da estética feminina cultuada pelos românticos”. Já os intelectuais romantizavam a doença, que acreditavam ser “a expressão de uma personalidade sensível e angustiada”.
É quase um triângulo amoroso o que se vai estabelecendo entre os irmãos Eduardo e Armando e Natália, casada com um deles, do qual se vai afastando à medida que a doença e a distância se vão instalando. Um doente que, no coração do Caramulo e no crescer da doença, (re)encontra o desejo, ainda que envolto em decadência, tendo ainda tempo para às portas da morte exercer um feitiço que tem tanto de amor como de condenação.
Em paralelo com esta história familiar acompanhamos a viagem de uma rapariga que visita as ruínas do antigo sanatório, lugar onde descobre as páginas escritas por alguém que assina como “R.N.”, qualquer coisa como “um ensaio sobre a ideia romântica da tuberculose e os escritores portugueses que foram suas vítimas”, como Cesário Verde, Sebastião da Gama ou António Nobre. Ao longo do livro, temos acesso a muitas dessas micro-histórias, onde a literatura anda de braço dado com a tuberculose.
Viajamos também pela História portuguesa, nomeadamente pela vida dupla que Portugal manteve durante a II Guerra, num retrato social de um país atrasado e a forma como a medicina portuguesa lidou com a tuberculose, sem meios ou recursos para a combater. Foi apenas mais tarde, já em 1947, que viriam a entrar no país a estreptomicina e a hidrazina, antibióticos apontados à cura da tuberculose que viriam a assinalar o declínio da estância do Caramulo e de outras com o mesmo fim. Um livro literariamente engenhoso e historicamente fascinante.
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