Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) nasceu no Rio de Janeiro, numa abastada família de origem portuguesa, e é precisamente para esse meio que nos transporta em “A Falência” (Penguin Clássicos, 2022), um dos seus romances mais célebres, publicado pela primeira vez em 1901.
A narrativa arranca com uma descrição tão viva da azáfama num armazém de café, que quase conseguimos sentir-lhe o cheiro. Decorre o ano de 1891 e os preços dos olorosos grãos atingem níveis inauditos, aumentando a riqueza do dono do estabelecimento, um migrante português chamado Francisco Teodoro, que fugiu da pobreza na terra natal e ascendeu socialmente à custa de trabalho duro e “áspera economia”. Quando o conhecemos, “toda a sua pessoa ressumava fartura e a altivez de quem sai vitorioso de teimosa luta”. O fausto em que envolve a família enche-o de orgulho e alimenta a crença de que “a todos envolveria sempre o luxo, a abundância e a alegria”.
Porém, o próprio título da obra revela que haverá uma falência. Prevemo-la desde as primeiras páginas, quando os companheiros de Teodoro enaltecem os “grandes espíritos empreendedores” que obtêm lucros rápidos e fáceis através da especulação bolsista. Embora comece por resistir a essa voragem, “firme nos seus princípios de moral e economia”, o protagonista ressente-se com a ideia de que “trabalhara tanto, para afinal alcançar o que os outros adquiriam com um gesto”, até acabar por ceder, com consequências catastróficas.
Embora uma parte do desenlace não seja segredo, as interacções entre as personagens e as incógnitas quanto ao seu futuro prendem-nos ao livro. Em grande plano, temos a esposa de Teodoro, a bela Camila, que mantém um duradouro caso adúltero com um amigo da família. A prole inclui um primogénito esbanjador, um par irrequieto de gémeas pequenas, e uma filha do meio muito especial, dotada de inteligência, curiosidade intelectual e sensibilidade artística. A este núcleo, juntam-se duas parentes idosas que servem para satirizar a avareza e a beatice, bem como a dócil Nina, a filha bastarda do irmão de Camila, acolhida e educada para ser pouco mais que uma criada, que sofre em silêncio por um amor não correspondido. Há ainda a personalidade forte da Noca, a polivalente trabalhadora mulata, respeitada até pelos brancos numa casa onde o patrão convive mal com a implementação da república e a abolição da escravatura.
A introdução de elementos de crítica social no enredo é eficaz, assumindo por vezes laivos de humor, sobretudo quando se trata da posição da mulher na sociedade – refira-se que a autora, devido ao seu sexo, foi excluída da lista de membros fundadores da Academia de Letras Brasileira. Igualmente marcante é a representação da desigualdade social no Rio de Janeiro, onde uma caminhada moderada separa as mansões dos bairros miseráveis. Tudo isto mostra a razão de Júlia Lopes de Almeida ser considerada um dos nomes mais relevantes do modernismo brasileiro, que esta nova edição procura resgatar de um esquecimento injusto.
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