Jonathan Swift nasceu no século XVII e morreu no século seguinte, em Dublin, Irlanda. Nome maior da literatura inglesa, escreveu obras nos mais diversos géneros, do romance à poesia, diários e panfletos políticos, notabilizando-se pelo uso exímio da sátira e do humor – para muitos, é ele o inventor do humor negro.
As Viagens de Gulliver são, na contemporaneidade, o seu principal cartão-de-visita. Menos divulgada, mas para muitos tão ou mais brilhante que o seu romance mais conhecido, a sátira “A Fábula de Um Barril” (Guerra & Paz, 2019) representa, para gente muito respeitada no meio, a melhor prosa da língua inglesa depois de Shakespeare, “a Bíblia dos cépticos do século XVIII”.
O saber, a religião, a corrupção e o poder surgem como grandes temas, numa verdadeira roda dentada, sistema que se alimenta e impulsiona qual sistema mecânico. Através de três irmãos – Martin, Peter e Jack -, que tentam contornar o testamento paterno que lhes impõe regras relativas à forma de viver, a natureza humana é dissecada, com espaço para a subversão do texto, a defesa das mais variadas e oportunas interpretações e, por último, o embelezamento das necessidades fazendo-as parecer virtudes.
Ao desafio de acompanhar os três irmãos nas mais improváveis deambulações pela vida, pela ambição e pelo exercício do poder e da persuasão, numa complexa caminhada satírica, o leitor deve juntar a disponibilidade para acompanhar o próprio autor numa digressão não menos intrincada pelos meandros da erudição e do poder, numa verdadeira dança de afronta e subjugação.
Escritores, editores, críticos e poderosos de diversas estirpes demonstram como, à época, a coexistência se fazia com jogos de influência, abuso e corrupção. À luz do século XXI, não deixa de ficar uma desconfortável sensação de dejá vu, como se a narrativa de Swift não fosse, afinal, representativa de realidade tão longínqua; a sua sátira, ironia e explanação pelos territórios da política e da ética motiva um apelo à critica pessoal e colectiva.
“Qualquer leitor que deseje ter uma compreensão profunda dos pensamentos do autor não pode usar um método melhor do que pôr-se a si mesmo nas circunstâncias e na condição de vida em que o escritor se encontrava quando escreveu cada trecho importante que fluiu da sua pena, pois isso irá criar uma paridade e uma rigorosa correspondência de ideias entre o leitor e o autor”. No caso concreto e segundo o próprio Swift, os trechos mais perspicazes desta parábola foram concebidos na cama, num sótão, por vezes com fome e necessidade de medicamentos e de dinheiro.
Nesta edição da Guerra & Paz, encontramos o texto principal precedido de notas da responsabilidade dos editores, as quais permitem conhecer e enquadrar o autor e a obra no seu tempo e no seu contexto, complementada por anexos compostos por apêndices ao texto principal, escritos mais tarde, e por um conjunto de citações de vários autores sobre o livro, de Agostinho da Silva e Jorge de Sena a Harold Bloom e Samuel Johnson, permitindo ao leitor aquilatar das leituras e do impacto da obra principal em quadrantes do mundo filosófico e literário pós-Swift.
Como o próprio Swift afirma, parece-nos razoável que os livros, “os filhos do cérebro”, sejam baptizados de modo a que possam afirmar e perpetuar a sua identidade, a sua singularidade e virtudes. “A Fábula de um Barril” sobreviveu à critica da época e à novidade da evolução, mantendo-se hoje como uma leitura obrigatória para todos aqueles que se interessam pela trindade conhecimento, religião e política.
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