As cidades são, na sua essência, organismos dados à mudança. No caso da Amadora, a explosão demográfica ocorrida entre as décadas de 1950 e 1970, a que se juntou uma industrialização considerável e o aumento da produção de serviços, obrigou ao nascimento de “A Cidade Que Não Existia” (Tinta da China, 2020), título escolhido para a publicação que reúne uma série de fotografias captadas pela lente de Alfredo Cunha, um verdadeiro e transformador repositório da metamorfose que a Amadora sofreu entre os anos 1970 e 2020.
Um cidade erguida a partir das migrações internas, do surgimento de diversas frentes de urbanização, de bolsas de pobreza que fizeram da Amadora uma cidade em crise, com um longo caminho pela frente. Um estatuto que, apesar das muitas transformações, foi de certa forma persistindo com o tempo, numa espécie de estigma da suburbanidade que ficou agarrado a quem lá vive.
Alfredo Cunha tem acompanhado e captado os momentos decisivos da história portuguesa, e este retrato a preto e branco da metamorfose da Amadora não é excepção. Olhamos de perto os migrantes que se viram, no êxodo dos anos 1960, a “morar em barracas junto a um fio de água que atravessava uma «cidade que não existia»“, num livro onde “tudo está relacionado, mas cada unidade fala por si” – as palavras são do jornalista Luís Pedro Nunes, que assina o muito certeiro prefácio que abre o livro e enquadra este belíssimo álbum de fotografias.
Eram tempos onde os custos dos rolos e da revelação não eram muito simpáticos, tendo Alfredo Cunha, nos sete anos em que viveu e fotografou na Amadora, tirado cerca de mil fotos. Basta dizer que, nas duas visitas que fez à cidade em 2019 e 2020, acumulou mais de 20 mil fotos em formato digital. O que confere ainda mais a estas fotografias a ponderação do olhar e, de certa forma, um “estatuto universal” – ainda do prefácio -, retratando não apenas a cidade mas também muitos lugares e habitantes do Portugal de então.
Para cada fotografia, sempre num revelador preto e branco, indica-se o ano e o local, onde a estação assume sempre o papel de coração pulsante da cidade. Passeamos pelas ruas, avistamos os prédios, lemos os cartazes e a propaganda, gritamos palavras de ordem, olhamos o vestuário e passamos do trabalho ao lazer. Há ainda algumas fotografias comparativas, onde se sente a mudança dos anos e a forma como o tempo e as pessoas transformaram esta cidade que não existia.
O livro, com o selo e o esmero gráfico da Tinta da Cina, está disponível em duas edições: em formato bolso ou, para aqueles que quiserem abrir os cordões à bolsa, numa edição especial de capa dura e formato álbum (25×33 cm), limitada, numerada e incluindo uma fotografia assinada pelo autor.
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