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A Canção do Rio, Eleanor Shearer, Singular, Porto Editora, Deus Me Livro, Crítica
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“A Canção do Rio” | Eleanor Shearer

Por Isabel Daires · Em 11/11/2024

Aos 16 anos de idade, numa exposição denominada Making Freedom, Eleanor Shearer, escritora inglesa cujos avós emigraram das Caraíbas, tomou pela primeira vez conhecimento de histórias de mulheres caribenhas escravizadas que, após a emancipação, foram à procura dos filhos que lhes haviam sido tirados. O seu primeiro livro, “A Canção do Rio” (Singular, 2024), narra a odisseia de uma protagonista fictícia, Rachel, que representa a coragem que essas mulheres decerto tiveram para enfrentarem um mundo onde ainda se sentia a sombra poderosa da escravatura.

Conhecemos Rachel em 1834, em Barbados, enquanto corre para longe de uma plantação de cana-de-açúcar cujos limites a confinam desde que se lembra. Pouco antes, assistira ao anúncio de que a escravatura fora abolida, mas os antigos escravos deveriam continuar a trabalhar mais seis anos para os seus senhores, como aprendizes. A fuga, antes inconcebível, torna-se inadiável. Após muitos anos de sobrevivência a reprimir a esperança, entregue a uma rotina de trabalho árduo sem fim, entrega-se ao sonho de reencontrar os filhos. Também ela fora separada da mãe em pequena, nada guardando dela além de memórias difusas e ecos de uma língua vinda de um mundo distante – e, num momento de dúvida, é o encontro luminoso com uma idosa livre, a quem tratam por Mãe B., que a faz acreditar na possibilidade de concretizar esse objectivo, apesar do medo “da captura, do fiasco, e mesmo do julgamento por não ter sido corajosa o suficiente para intentar a busca mais cedo”.

A Canção do Rio, Eleanor Shearer, Singular, Porto Editora, Deus Me Livro, Crítica

De Bridgetown, a capital de Barbados, para a Guiana Britânica e depois para Trindade, Rachel deambula por novos espaços, perdendo-se no bulício de cidades, cruzando oceanos, ou adentrando nos confins duma floresta habitada por uma comunidade de foragidos, numa “aldeia mestiça de almas perdidas que se tinham encontrado umas às outras”. Embora lance, pragmaticamente, raízes hesitantes aqui e acolá, torna-se perita nos caminhos improváveis que a vida pode tomar e reanima um enferrujado desejo de aventura. Descobre como o esforço físico pode ser empolgante quando é motivado por um propósito definido por ela, em vez de ter por fim o lucro de um amo. Perante diferentes noções de liberdade, acaba por entender que a sua reside na busca.

Com diálogos que reproduzem a maneira como as personagens falariam – nem sempre gramaticalmente correcta –, parte do caminho de Rachel funde-se com o de diversas personagens, incluindo um homem chamado Ninguém e um jovem indígena órfão e desenraizado. Quanto aos filhos, nem todos os reencontros desejados serão possíveis, e nem todos os reencontrados voltarão a unir as linhas das suas vidas à da mãe, mas parte do que se julgava perdido para sempre é recuperado. Ainda que certas dores nunca se atenuem, há algum conforto no conhecimento e na aceitação da realidade, bem como nas novas memórias que são guardadas para o futuro. Um futuro incerto, mas que a família recomposta está pronta a enfrentar em liberdade.

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Isabel Daires

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