“A Breve História da Menina Eterna” (edição independente, 2019), de Rute Simões Ribeiro, é mais uma obra notável desta autora, que deixa um traço indelével na mente do leitor ao abordar, com um rigor humano e moral profundo, a vida das suas personagens – e, no caso deste livro, a incessante permanência da morte nos vivos: “Como podem os futuros mortos rir a todo o tempo, se os apanho a todos, sem comunicar ou negociar visita?”.
A obsessiva noção ética e moral, a permanente questão da aleatoriedade da morte, a percepção metafisica e religiosa dos que “perdem a vida para a morte”, dos que acreditam – “quem acredita não apreciará somente que compreende?” -, a dúvida existencial, são os vectores que perpassam a malha construída da obra, neste questionar metódico e permanente da autora ao leitor.
Uma obra inquietante, que inquieta, com avisos expressos ao leitor; uma obra filosófica, sobre o estudo mental e emocional da morte, da existência do ser, que procura uma interpretação do mundo, da natureza e da constituição e estrutura básicas da realidade.
Muito na peugada da “filosofia primeira” de Aristóteles, a autora investiga a ciência do ser enquanto ser, questionando o que faz a matéria ser diferente e, ao mesmo tempo, particular. Paralelamente junta a história da ingénua menina M. (protagonista do livro), que “tinha nela todas as perguntas renovadas” e que cresceu sem saber da existência do fim da vida (na infância e adolescência achava que as pessoas desapareciam, como aconteceu com a sua mãe e o seu tio Edmond). Quando fica a saber da certeza da morte, a trama do livro desdobra-se, com a autora a ensaiar raciocínios de questões que a humanidade considerou sempre irresolúveis e sem resposta, e que incluem a vida, o amor, o tempo, o sofrimento ou a morte.
“A morte é a morte. Agora e outra vez. Vive-se, sabendo que se morre? Deito-me aqui, agora, à espera dela, da minha morte. E onde me morro? De que ponto deste corpo vivo, um dia morto, largo vida? Decido. Morro-me agora, não te hei de esperar. Vem, não te dou espera, o tempo que se conta para trás. Não. Tiro-te o despacho. A desvida ainda me deve tempo. Morte, o teu dia não tem ainda calendário. (…) Vai-se a ver, nem há diferença entre a vida da vida e a vida da morte.”
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