Eram já sete os anos que o norte-americano Paul Auster levava de silêncio, no campo do romance, desde que em 2010 havia lançado “Sunset Park”. O regresso aconteceu este ano com “4321” (Asa, 2017), um livro com perfil e tamanho de Bíblia que, apesar de manter todos os rendilhados e referências geográficas e culturais dos seus livros, surpreende por juntar, nas quase 900 páginas da edição portuguesa, um livro de memórias, um guia sexual e um exercício sobre o tempo, imaginado a partir de uma vida que se multiplica em quatro.
A 3 de Março de 1947, na maternidade do hospital Beth Israel, em Newark, New Jersey, nasce Archibald Isaac Ferguson, filho único de Rose e Stanley Ferguson. Uma criança a quem Auster oferece quatro caminhos ficcionais possíveis, quatro vidas paralelas que vão divergindo consoante as circunstâncias, o acaso e as escolhas tomadas.
Não se trata de um romance convencional. Não apenas no sentido de não apresentar um final concreto e decisivo mas, também, por fazer valer aquela máxima de que o mais importante não é o destino, é a viagem – na senda de um “Arrival” levado às letras. Uma viagem feita através da História americana das últimas décadas e da sua própria vida, percorrida e sonhada, fazendo de “4321” algo como um diário paralelo e romanceado das múltiplas vidas de Paul Auster, que parece, aqui, ter querido alcançar a eternidade – tal qual Laurel e Hardy o fizeram no cinema.
Assiste-se ao advento da televisão, à fuga dos Dodgers e dos Giants para a Califórnia depois da época de 1957, ao deslumbramento por Kennedy, às transformações no mundo da fotografia e ao tumulto social gerado pela guerra no Vietname. À descoberta e morte do amor e da sexualidade, às paixões intelectuais e amorosas, num livro que gira em redor do triângulo de apresentado a certa altura por Fergusson como o pilar da literatura: densidade, imensidade, complexidade.
Perto do final, Auster esmiuça toda a trama e arquitectura onde assenta este “4321”, “uma parábola sobre o destino humano e as infindáveis encruzilhadas que uma pessoa deve enfrentar na sua viagem pela vida“. O importante não é o destino, é a viagem. E que viagem, Sr. Auster. Que viagem.
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