João Cerqueira, nascido em 1964, é doutorado em História da Arte e autor de oito livros publicados. Venceu três prémios literários nos Estados Unidos com o romance The Tragedy of Fidel Castro, que também foi considerado a terceira melhor tradução publicada em 2012 pela Foreword Reviews. O romance Jesus and Magdalene recebeu a medalha de prata no Global Ebook Awards e a medalha de bronze no Reader’s Favorite Awards em 2017.
Este seu último livro, “25 de Abril, Corte e Costura” (Ideia-Fixa, 2019), um romance com grande humor e elevada dose de sarcasmo, é iniciado com a criação da designada “Comissão de Honra das Comemorações dos 40 anos do 25 de Abril” (na denominada cidade Augusta), “projecto de vital importância para a consolidação da identidade da pátria, o reforço da democracia, o desenvolvimento regional e a alegria do povo”, cujo criador e presidente é Jaime Fagundes (presidente da câmara de Augusta).
As vicissitudes da dita Comissão e tudo o que se lhe segue mostram o paradigma que o livro pretende almejar e alcança: os partidos políticos, no seu desvario narcísico, estão mais interessados em se afrontarem uns aos outros por estratégias de poder do que em resolver os verdadeiros problemas dos cidadãos.
O estilo do autor (misturando as personagens ficcionadas com as personagens reais do Pós 25 de Abril em Portugal), que assume propositadamente um misto de irreverência e a capacidade de saber contar uma história alternativa à narrativa histórico-política comum, é rico, inventivo e extraordinariamente sabedor da história recente e dos meandros políticos partidários.
Aborda, muito a propósito, temas relevantes actuais que estão “politicamente colados” à esquerda e à direita partidárias, tais como o casamento homossexual, os direitos dos animais, a religião católica, a importância da imagem social, o liberalismo, a corrupção, os subsídios à arte, a União Ibérica ou as seitas religiosas, entre outros. Todos os partidos são parodiados, embora uns sejam mais facilmente alvo de jocosas e anedóticas situações, narradas nesta “saga” que é o “corte” (ideia germinativa) e a “costura” (a realização ) das Comemorações dos 40 anos do 25 de Abril.
O autor obriga-se a “pôr o dedo na ferida” e obriga o leitor, sorrindo, a fazer o mesmo, nesta nossa Democracia, às vezes contraditória nos seus termos, outras surpreendentemente madura ou consentindo desmandos, mostrando grande domínio sobre a história contemporânea de Portugal e um amor absoluto pela liberdade de expressão e de crítica. Um livro de história contemporânea que conta a história recente de forma absolutamente não convencional e com uma perspectiva muito lúcida e… divertida.
“E depois havia outras coisas ainda mais interessantes na democracia: qualquer um podia inscrever-se num partido político e ser eleito ou colocado num bom cargo. Ou seja, sem grande esforço, sem nada arriscar, tranquilamente, obtinha-se poder, dinheiro, influência, mulheres. (…) Os cidadãos votavam nos políticos, os políticos votavam em si próprios, os cidadãos eram obrigados a cumprir as leis, os políticos mudavam as leis quando lhes apetecia (…). No fundo o sonho de cada português era também pertencer à classe politica: governar-se e tratar da vidinha (…) Pedir dinheiro ao banco, hipotecar a casa, arriscar o futuro num negócio? Só um louco é que se metia nisso, quando podia obter os mesmos proventos enfiando-se na política”.
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