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Wayward Pines, Suma de Letras, Caos, Blake Crouch
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“Wayward Pines – Caos” | Blake Crouch

Por Luísa Silvestre Ferreira · Em 15/10/2015

A porca torce o rabo quando, em Wayward Pines, a revolta dá lugar ao “Caos” (Suma de Letras), título mais do que adequado do último tomo da trilogia de Blake Crouch. O povo revoltou-se quando o messiânico Ethan Burke decidiu revelar o sentido da vida na cidadezinha misteriosa, o significado de tudo e a maquinação do maléfico Pilcher, que ficou um pouco enfadado com a situação, com a careca descoberta e a ingratidão das criancinhas, decidindo armar-se em deus vingador do Antigo Testamento. Pois claro, estava-se mesmo a ver que a coisa não ia correr bem. Então, lá fora está um planeta inteiro que não parece nada interessado em voltar a ser o lar da humanidade e as pessoas acham por bem ferir o orgulho desmesurado do criador da última colónia da espécie? Obviamente que era mesmo isso que queríamos que acontecesse: que o Lúcifer / Jesus Burke enfrentasse o paizinho sem pensar muito bem nas consequências de espicaçar a onça psicopata com uma vara muito curta, sobretudo quando a dita onça está no centro de comando e pode abrir os portões que separam os últimos humanos de uma horda épica de criaturas monstruosas e esfomeadas.

É desta forma que começa o terceiro volume: com um banho de sangue monumental que se prolonga, apimentado por triângulos amorosos (sim, há tempo para isso), alguma intriga, mais psicopatia, mais heroísmo atormentado e muita aventura. Bem-vindos ao regabofe sanguinolento que fecha esta trilogia. A nível de estilo e de narrativa, Crouch volta a trocar-nos as voltas: neste livro, cada capítulo centra-se numa ou mais personagens em particular. Isto porque, afinal, Wayward Pines é uma vila com habitantes que estão a morrer, senhores. Vamos lá sentir compaixão ou emocionar-nos com os seus últimos momentos. Ou não porque, ao contrário de autores como George R. R. Martin, Crouch não se deu ao trabalho de nos fazer sentir empatia e até alguma afeição pelas personagens antes de as matar de forma inusitadamente macabra. Portanto, não é agora que vamos sentir um baque porque a não-sei-quantas entra em pânico e no mais profundo horror antes de ser devorada pelos bichos ou porque um sujeito qualquer morre a tentar salvar a família. Agora é tarde, Sr. Crouch, não nos deixou outra escolha senão sermos uma cambada de sádicos que se divertem com a mortandade caricatural e vazia. Teve dois volumes para nos fazer sentir uma pontinha de interesse pelos últimos humanos na Terra e, se mal nos afeiçoámos às personagens principais, quanto mais com os habitantes que só servem para ajudar o protagonista, agravar o caos ou serem comidos.

Wayward Pines, Suma de Letras, Caos, Blake CrouchO filme de acção transforma-se assim num filme de terror e sobrevivência, com os loucos ainda mais loucos, os heróis ainda mais heróicos e a desmesura a atingir níveis recorde. Criam-se alianças e laços, leva-se a verdade a mais gente, partem-se uns coraçõezinhos, os maus têm aquilo que merecem e, no fim, lá tudo se compõe (ou mais ou menos). Fica a fé na humanidade, que pode estar reduzida a um pequeno grupo traumatizado e devastado com a ideia de ser tudo o que resta, mas mantêm-se vivos os valores americanos da liberdade, da independência e da perseverança. Não, o Chuck Norris não aparece, mas merecia um cameo na série (se não a cancelarem entretanto).

No meio da brutalidade sanguinária há, de facto, espaço para se pensar na sustentabilidade, já que a comunidade se encontrava no limite da sobrevivência antes do caos, na forma como insistimos em esgotar o planeta, na própria mentalidade egoísta e megalómana do ser humano. Até podíamos reflectir sobre o antropocentrismo insano do antagonista e nos paralelismos com a religião, mas a insistência do autor em esfregar-nos estes aspectos que podiam ser tão mais subtis na cara não nos deixa cansar as células cinzentas ou, Pilcher nos livre e guarde, pensar em chegar às nossas próprias conclusões.

O último volume de Wayward Pines é, portanto, fiel aos objectivos da trilogia, que são claramente os de entreter as massas cansadas e sedentas de escapismo. E, como foi dito em relação aos tomos anteriores, cumpre plenamente aquilo a que se propõe, sem nos cansar a beleza e deixando-nos de barriga bem cheia. Como uma aberração depois de devorar um habitante de Wayward Pines.

Os outros títulos da Trilogia:

“Paraíso”
“Revolta”

Blake CrouchCaosSuma de LetrasWayward Pines

Luísa Silvestre Ferreira

A minha imagem de perfil é uma ilustração de Solus, um artista de rua de Dublin, Irlanda.

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