«Os museus existem para contar a história por vias dos objetos.» Quem o diz é Neil MacGregor, director do Museu Britânico desde Agosto de 2002, depois de ter sido também director da londrina National Gallery – entre 1987 e 2002.
Partindo deste pressuposto, e pensando também naqueles que não terão grande facilidade em se deslocar a terras de Sua Majestade, Neil MacGregor escreveu “Uma história do mundo em 100 objetos” (Temas e Debates, 2014), livro que partiu do registo de uma série de palestras radiofónicas na BBC4, emitidas em 2010, revelando-se igualmente como uma pequena mostra do trabalho extraordinário que tem sido desenvolvido pelo Museu Britânico.
Quando o projecto teve início nas ondas hertzianas, as regras eram simples: colegas do Museu e da BBC escolheriam, de entre a gigantesca colecção do Museu, 100 objectos que abrangessem a história humana, desde o seu começo – há dois milhões de anos – até ao presente. Teria de abranger tanto quanto possível o mundo inteiro, de dizer respeito a todos os aspectos possíveis da experiência humana e contar-nos, também, histórias sobre a sociedade em geral, e não somente dos ricos e poderosos.
O projecto parecia logo à partida atravessado pela impossibilidade: os objectos seriam apresentados não na TV mas na rádio, deixando aos ouvintes a missão – ou diversão – de os construírem com a sua imaginação. Paralelamente, foram disponibilizadas no site do projecto várias imagens, que poderemos agora encontrar neste livro – sobretudo a preto e branco.
Mais do que celebrar um acontecimento, o livro apresenta 100 objectos que contam muitas histórias, trazendo até nós antepassados longínquos e etnias há muito desaparecidas, apresentando heróis e vilões que atravessaram os séculos, recordando-nos que as paixões e – sobretudo – as convicções são a matéria da qual a História, tal como a vida, se alimenta.
O Rhinocerus, uma ilustração do assombroso Durer, é a personificação do espírito que conduziu a este livro: o de imaginar e perceber um mundo do qual não temos experiência directa mas apenas relatos e experiências alheios. Ao saber do rinoceronte indiano enviado de Guzarate ao rei de Portugal, corria o ano de 1515, Durer informou-se o melhor que pôde, com base nas descrições escritas que circulavam pela Europa, tentando depois imaginar este insólito animal. O resultado foi surpreendente.
Com este livro, MacGregor presta uma homenagem à insaciável curiosidade humana sobre o mundo que está para lá do nosso alcance, bem como à necessidade que temos de o explorar e conhecer, deixando um legado material que poderá ou não tornar-se uma peça de colecção de Museu. «Seja em papel ou pedra, ouro, plumas ou sílica, é certo que continuaremos a fazer objectos que dão forma ou refletem o nosso mundo e que isso nos vai definir para as futuras gerações.»
Para lá da história dos objectos, Neil MacGregor apresenta uma pequena introdução para cada uma das vinte partes do livro – apresentadas cronologicamente -, bem como diversos mapas com os locais de descoberta/criação dos objectos. Um livro a todos os níveis brilhante, marcado por uma escrita cativante que demonstra uma investigação profunda, e que é sem dúvida um dos grandes acontecimentos literários deste ano com edição nacional.
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