Em “A Casa Negra”, o primeiro livro da The Lewis Trilogy (no original), regressámos à infância de Fin Macleod, aos seus segredos bem encerrados que foram emergindo no confronto com o presente. Para além da resolução do enigma que deu corpo ao thriller, Peter May foi muito mais além, apresentando-nos à escuridão que cai sobre as nossas vidas através de um acontecimento trágico. O que nos muda e permanece, o que nos atormenta e magoa, o que fica cravado e nos altera de forma quase irreversível?
Agora, em “Um Homem Sem Passado” (Marcador, 2015), regressamos aos segredos, mas não apenas aqueles relativos aos comportamentos escondidos de uns e outros. Vai-se até ao fundo, tocando nas camadas mais recônditas da própria identidade de cada um: Afinal quem somos? Como é que nos “construímos”?
Acompanhar Fin Macleod não é pêra doce, como se diz em bom português. O regresso às origens e a um recomeço de vida na ilha natal, depois de deixar a vida e a carreira na Polícia, não é um simples exercício de renascimento. A sua vida continua atormentada e refém da descoberta do responsável pela morte do filho, num atropelamento. A somar a esta dor impune, Fin carrega o resultado da sua própria falta de habilidade na relação com Marsaili, a grande paixão da sua vida na ilha.
Chegado para reconstruir a quinta abandonada dos pais e restaurar a relação com algumas das pessoas mais significativas, vê estas tarefas adiadas em função do desafio que assumiu após a descoberta de um cadáver não identificado recuperado na Ilha de Lewis, sobretudo depois dos testes de ADN indicarem a existência de um parentesco entre o cadáver encontrado na turfa e o pai de Marsaili, Tormod Macdonald.
Visitar o passado do pai de Marsaili, afundado num estado avançado de demência, não é tarefa fácil. Regressar ao princípio da vida deste, tentando solucionar os mistérios que vão surgindo, é uma tarefa hercúlea, movida não só pelo valor das emoções e dos afectos do passado, mas também pela determinação de Fin em não deixar um assunto inacabado.
Com “Um homem Sem Passado”, Peter May continua a ser um dos eleitos da nossa estante. Porque não nos deixa descansados no conforto de uma leitura dirigida à descoberta de um mistério, antes nos dá uns valentes abanões, empurrando-nos para a frente, plantando interrogações daquelas que só em alguns dias nos atrevemos a colocar: Quem somos afinal, se a nossa história anterior não corresponder àquela que nos contaram? E, se o nosso passado for alterado, permanecemos iguais ou mudamos?
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