Quando mil milhões de chineses saltam, é bem possível que o mundo pule e avance. Será esta a conclusão mais fácil a retirar da narrativa de viagens do jornalista Jonathan Watts, “Quando Mil Milhões de Chineses Saltam” (Livros de Bordo, 2015) – com o sub-título Viagem à Vanguarda da Conservação Ambiental na China -, uma descrição de um país em transformação que oscila entre o verdadeiramente aterrador e a luz ao fundo do túnel – e que nada mais é do que o reflexo de um planeta em mutação, que insiste em enveredar por caminhos perigosos ao mesmo tempo que tenta também encontrar soluções para os males que cria.
Jonathan Watts percorreu o gigante asiático em busca de cenários de guerra ambiental e de exemplos de conservação, compilando neste livro de bordo numerosos e assustadores exemplos da falência da relação entre a humanidade e o seu ambiente e dos seus efeitos dramáticos na paisagem e nas populações. O autor deixa bem claro algo que todos sabemos: que o planeta está a atingir um ponto de não retorno, se bem que talvez o mais correto seja dizer que a humanidade está a atingir esse ponto, arrastando consigo outras espécies para a extinção. O planeta continuará a existir e a evoluir com a sua “indiferença”, estava cá muito antes de nós e, a menos que se dê um cataclismo digno da paranoia da Guerra Fria ou da ficção científica, persistirá sem esta espécie e o seu incrível poder destruidor. Cabe-nos então encontrar um equilíbrio e aprender a viver neste planeta de uma forma sustentável e a China, como nos mostra Watts, é o exemplo incontornável deste conflito e dos esforços por alcançar um armistício. A China tem sofrido uma sucessão de imposição de valores que colocam a natureza e, por extensão, populações humanas e animais em risco.
Ao mesmo tempo que nos mostra as consequências devastadoras do crescimento populacional e da tentativa de dar resposta às exigências materiais de uma sociedade capitalista – tanto na China como no Ocidente, que tem uma enorme dose de culpas no cartório –, Watts remete para tempos em que a convivência entre humanos e o seu ambiente era mais saudável e revela os esforços para a conservação, ainda que alguns se revelem infrutíferos por chegarem demasiado tarde, como no caso de várias espécies que ficaram extintas ou, simplesmente, por funcionarem como pensos rápidos a tapar uma enorme ferida aberta. Não se julgue que é um relato totalmente pessimista, mas lá que nos deixa com um amargo de boca, deixa. Também fica a vontade de fazer algo, de pressionar os nossos governos a pensar a longo prazo e a investir no que realmente importa: uma mudança de mentalidades que permita uma estadia mais agradável e menos danosa neste planeta.
Uma das imagens que fica é a ideia das árvores inúteis, que dá o título ao primeiro capítulo e que revela muito da atitude dos chineses (e de todos nós) perante a natureza, atitude esta que tem vindo a tornar a nossa relação com o ambiente insustentável: tudo no planeta tem de funcionar para nos servir, ter uma utilidade. E essa luta pela sobrevivência da espécie tem vindo a delapidar recursos, a dar lugar a políticas de terra queimada e, em última instância, a colocar a própria espécie em perigo. Na China, há muitos paraísos perdidos e muitas tentativas goradas de recuperá-los, redundando em edens de plástico. Na China, os exemplos da extrema violência humano-natureza-humano são abundantes e aterradores e são, também, reflexos do que é feito em todo mundo, uma vez que a mentalidade de exploração triunfa demasiadas vezes sobre uma filosofia que preze a simbiose e a sustentabilidade.
Contudo, o medo coabita com a esperança neste país e não é descabido que façamos figas e incentivemos os mil milhões de chineses a saltar. Talvez o salto chinês lance ondas de choque que acordem o Ocidente e o resto do mundo, até porque mil milhões de pessoas é muita gente e é com uma boa multidão que se faz uma revolução – e, talvez, esta revolução venha a tempo de nos salvar a todos.
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