Vencedor do PEN/Faulkner Award for Fiction 2015 e do New York City Book Award for Fiction, “Preparação para a próxima vida” (Elsinore, 2015) é, para a literatura, aquilo que um murro no estômago é para um corpinho frágil sem sombra de abdominal. O aviso fica desde já feito: esta não é uma leitura aconselhável a almas sensíveis ou, pelo menos, a leitores que não se dêem bem com finais que não os cor-de-rosa – ou pintados de outra cor mais primaveril.
O livro conta a história de (des)amor entre duas almas quase penadas: Zou Lei, uma emigrante ilegal chinesa, e Brad Skinner, um veterano da guerra do Iraque que sofre de stress pós-traumático, algo que vai combatendo com uma dose cavalar e diária de comprimidos. Ao viajar para Nova Iorque, onde espera matar alguns dos seus demónios e redescobrir a alegria de vida, Skinner conhece Zou Lei, que vai trabalhando onde consegue por um ordenado miserável, tentando a todo o custo escapar à prisão ou, pior ainda, à deportação. A máxima que carrega às costas é tão trágica quanto isto: “Não podes pedir as coisas desta vida”.
A relação entre ambos é tudo menos sentimental, nascida pela atracção dos corpos tonificados – o dela – e cobertos de cicatrizes – o dele. O sonho americano é aqui feito de restaurantes que não passariam numa inspecção da ASAE, de quartos onde vivem corpos que quase se amontoam, de hotéis infestados de baratas e salários bem abaixo da linha mínima. Um relato que mostra o lado selvagem e muitas vezes sórdido de uma grande cidade, para onde muitos vão em busca do El Dorado.
A escrita de Atticus Lish é quase telegráfica, feita de frases curtas – um pouco ao estilo de Cormac McCarthy -, descrevendo pormenorizadamente as situações e os lugares onde se situa mas recusando emocionar-se com as personagens. Apesar de compreendermos aquilo por que ambos passaram, falta algo mais para que tanto Skinner como Zou Lei nos surjam como pessoas de carne e osso, não sendo muito palpáveis as suas verdadeiras emoções. Pode até ter sido algo intencional, uma vez que, no final deste “Preparação para a próxima vida” – e depois de desfeito o sonho americano -, ficamos agarrados ao vazio, como se as emoções que desfilaram perante nós pertencessem não a Skinner e a Zou Lei mas ao mundo inteiro.
Sem Comentários