“Os poetas não servem para nada.” É assim, de peito cheio e olhar furioso, que Filipa Leal começa o seu manifesto pró-poesia intitulado “Pelos leitores de poesia” (Abysmo, 2015), um pequeno e muito gráfico livro que, para salvar os leitores de estrofes e versos, os põe no outro lado da barricada onde se sentam confortavelmente os leitores de romances.
Com muita ironia, Filipa Leal faz-nos olhar – um olhar estereotipado e de certa forma instalado – para o poeta como um quase sem-abrigo ou desempregado por opção, que gosta de dormir até tarde, não tem horários para escrever, ama e fuma demais e, azar dos azares, morre mais cedo que os romancistas.
É também traçado um humorístico retrato do poeta português, que detesta dar entrevistas, não gosta particularmente dos seus concidadãos poetas e detesta poemas com palavras como “mar” ou “amor”, que vão contra o seu lado mais underground.
Se Almada-Negreiros desejava a morte do Dantas – e com ela a do academismo e dos valores tradicionais -, Filipa Leal acaba a desejar que a prosa seja enterrada numa cova bem funda, deixando, antes do disparo final e certeiro, um apelo à revolta: “Em tempo de indigência, manifestemo-nos a favor dos leitores de poesia, manifestemo-nos pelo direito de não gostar de ler romances, manifestemo-nos pela liberdade do leitor e do leitor de cassetes.”
Aqui para nós que estamos dos dois lados da barricada, o melhor mesmo é recorrer às palavras de Jack Nicholson em Mars Attacks: “Why Can`t We All Just Get Along?” Uma grande revisitação ao tempo dourado dos manifestos que, como um galante cavaleiro, salva a dama-poesia das garras do infortúnio. E, espera-se, do esquecimento.
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