Pela chancela da editora Planeta chega aos escaparates portugueses “Pablo Escobar, O Meu Pai” (Planeta, 2015), de Juan Pablo Escobar. Este livro pretende ser um relato fiel – e na primeira pessoa – da experiência do autor enquanto filho daquele que foi, muito provavelmente, o traficante de droga mais famoso do planeta, o colombiano Pablo Escobar.
Juan Escobar, agora Juan Sebástian Marroquín Santos, sente que, passados mais de 20 anos sobre a morte do pai, é a altura certa para redescobrir Pablo Escobar e, ao mesmo tempo, deixar bem claro que a sua história não é a história do seu pai. Juan pede perdão às vítimas de Pablo Escobar, afirmando que este é um livro escrito com lágrimas, sem rancores. Contudo, parece ser também uma oportunidade para um acerto de contas, nomeadamente com a sua família do lado paterno, que Juan afirma terem-no traído, bem como ao seu pai.
O autor começa por recordar as origens humildes do pai, que desde cedo revela uma atracção pelo lado errado da lei, praticando pequenos delitos na companhia do seu primo Gustavo, parceiro de eleição nestas primeiras incursões criminosas. Os dois falsificam, por exemplo, diplomas do ensino secundário, que posteriormente vendem a dezenas de jovens, permitindo-lhes concluir o liceu sem nunca terem assistido a uma aula. Começa depois a envolver-se em esquemas mais rentáveis mas mais perigosos, como o roubo de automóveis. Como consequência de um destes roubos, Pablo é detido pela polícia e cumpre pena na prisão de La Ladera, onde conhece aquele que viria a ser o seu “mentor”, Alberto Prieto, na altura um dos maiores contrabandistas da Colômbia. Prieto, conhecido por El Padrino, estava envolvido no tráfico de quase tudo, desde cigarros a uísque, passando por electrodomésticos e outros produtos. Desde que é libertado, Pablo começa a trabalhar às ordens da organização de Prieto, onde se destaca pela sua audácia e sangue frio. Mais importante, contudo, é o produto com que Escobar se vai cruzar, uma pasta trazida do Equador, Peru e Bolívia, convertida em quintas na zona de Medellín num pó branco chamado cocaína. Assim que Pablo percebe que é no tráfico desta substância que se encontra a via mais fácil para atingir os seus objectivos, rapidamente monta um esquema que, contando com a passividade das autoridades da altura, atinge proporções quase inimagináveis.
Escobar, bem como outros traficantes colombianos, inunda o território norte-americano de cocaína, utilizando todas as vias possíveis: fosse por via área, recorrendo a pequenos aviões que duas a três vezes por semana movimentam 400 quilos de cocaína, ou por via marítima, utilizando navios de mercadorias para fazer entregas de 800 quilos de cocaína directamente em Miami, Escobar explorou como ninguém o facto de não existirem ainda controlos nos aeroportos e portos dos Estados Unidos da América para expandir o seu negócio de tráfico de cocaína, até aí tratado criminalmente como simples contrabando. O dinheiro entrava em tal quantidade que Pablo Escobar deixa de ser “apenas” um milionário, começando a ser reconhecido como uma das pessoas mais ricas do mundo. A sua fortuna era alvo de enorme especulação, não existindo consenso relativamente à sua origem e ao seu real valor. A revista Forbes, por exemplo, colocava a sua fortuna pessoal nos três mil milhões de dólares.
Juan relata o modo de vida da sua família nesta altura de “vacas gordas”, não deixando de ser surpreendente o nível de riqueza e excentricidade do que é relatado. Depois de muito procurar, Pablo encontra aquela que entende ser a sua propriedade de sonho, a Hacienda Nápoles. Esta propriedade, inserida num terreno de 1920 hectares e que custou no total cerca de dois milhões e meio de dólares, torna-se numa espécie de parque de diversões e de fantasia, onde é possível encontrar de tudo. Desde o famoso jardim zoológico com animais trazidos dos quatro cantos do mundo, visitado por milhares de pessoas aos fins-de-semana, até um aeroporto privado, tudo em Nápoles era excessivo. As festas eram de uma dimensão hollywoodesca, com convidados da elite política e artística colombiana. Mas Nápoles não era apenas a residência de Pablo e da sua família, tendo sido concebida como um refúgio em caso de ataque, e até mesmo como campo de treino para o exército privado de Pablo.
Por esta altura, Pablo Escobar começa a ganhar a fama de “Robin dos Bosques” no seio das populações desfavorecidas de Medellín. Escobar cultiva esta imagem distribuindo parte da sua riqueza pelos mais pobres, sendo o responsável pela construção de hospitais, escolas e igrejas, contribuindo igualmente com somas avultadas para a criação de infra-estruturas desportivas. Decide então seguir uma carreira política, decisão que Juan considera ser o pior erro alguma vez cometido pelo seu pai, conseguindo ser eleito como congressista no parlamento colombiano em 1982. Os ventos começam a mudar para Escobar quando o recém-nomeado Ministro da Justiça Lara Bonilla, declara que é chegada a altura da Colômbia lutar de forma séria contra o narcotráfico, denunciando as relações existentes entre os cartéis da droga e o sistema político. As insinuações sobre o modo de vida de Escobar começam a ser cada vez maiores, até que surge o golpe decisivo na sua reputação, com a publicação de um artigo num seminário colombiano que revela a detenção ocorrida anos antes de Pablo Escobar por posse e tráfico de cocaína. Escobar é expulso do Congresso, perde a sua imunidade parlamentar e vê o governo decretar o arresto de dezenas de aviões e propriedades supostamente utilizadas para o tráfico de cocaína. Pablo Escobar e os seus aliados decidem retaliar e elegem o ministro Lara Bonilla como seu inimigo número um. Apenas oito meses depois de ter sido eleito, no dia 30 de Abril de 1984, Bonilla é assassinado no interior do seu carro por dois membros do grupo de Escobar. A morte de Bonilla leva o governo a aprovar de imediato uma lei de extradição para os narcotraficantes. À medida que o cerco judicial se aperta, Pablo Escobar opta por uma estratégia de confronto, com um objectivo principal em mente: eliminar da constituição colombiana a possibilidade de ser extraditado para os Estados Unidos da América que, por esta altura, já se tinham unido ao governo colombiano nos esforços para o levar a julgamento. Escobar não olha a meios para atingir os seus fins, desenvolvendo uma campanha de terror com vista a forçar o estado colombiano a aceitar um acordo que lhe possibilite uma pena de prisão reduzida e o cumprimento da mesma na Colômbia.
Durante sete longos anos Escobar leva a cabo uma guerra sangrenta contra o estado colombiano e contra todos aqueles que considera seus inimigos. O número de mortos não pára de aumentar à medida que Escobar vai ordenando vários atentados e execuções com o objectivo de intimidar os seus opositores, sendo directamente responsável pela morte, por exemplo, do jornalista Guillermo Cano, director do jornal que publicou a notícia dando conta do seu passado criminal, e do candidato presidencial Carlos Galan, apoiante declarado da extradição dos narcotraficantes. Finalmente, em Junho de 1991, e após ver a extradição de cidadãos colombianos ser proibida por uma emenda constitucional, Pablo Escobar entrega-se às autoridades, conseguindo obter um acordo judicial muito favorável. Na prisão onde cumpre a sua pena, La Catedral, Pablo Escobar usufrui de um conjunto variado de regalias, que lhe permitem manter o seu luxuoso estilo de vida. Quando se apercebem que Escobar continua gerir o seu negócio sem qualquer tipo de constrangimento, as autoridades colombianas decidem transferi-lo para uma prisão mais “convencional”. Alertado para esta situação, Pablo Escobar decide fugir, dando início a uma gigantesca caça ao homem.
São várias as forças envolvidas nesta perseguição, desde o Bloque de Búsqueda, uma força especial da polícia colombiana criada com o único objectivo de “caçar” Escobar e cujo treino contou com a participação de elementos do exército norte-americano, aos Pepes (diminutivo da expressão Perseguidos por Pablo Escobar), um grupo vigilante financiado por membros de cartéis rivais – como o de Cali – e por antigos associados de Pablo Escobar. A perseguição é impiedosa, com centenas de membros do grupo de Escobar a serem assassinados, o que leva Juan Pablo a afirmar que a verdadeira intenção dos Pepes era o de enfraquecer, de forma decisiva, o cartel de Medellín, de forma a garantir a supremacia dos narcotraficantes que operavam a partir de Cali.
No dia 2 de Dezembro de 1993, uma das equipas do Bloque de Búsqueda consegue localizar Escobar, na altura apenas acompanhado por um dos seus guarda-costas. Depois de uma troca de tiros, Escobar tenta fugir pelos telhados das casas adjacentes, mas acaba por ser abatido com três tiros, um deles na cabeça, o que levantou a suspeita de uma possível execução. O filho de Escobar acredita que o pai, que lhe tinha confidenciado várias vezes que nunca se deixaria apanhar vivo, acabou por cometer suicídio quando se apercebeu da sua eminente captura. Chegava assim ao fim um dos períodos mais violentos e conturbados da história contemporânea colombiana.
A seguir à morte do pai, Juan e a sua família passam por momentos difíceis, recebendo várias ameaças de morte, principalmente dirigidas a Juan, bem como pedidos de indemnização exorbitantes por parte de figuras ligadas ao tráfico de cocaína, que exigem ser ressarcidas, senão da totalidade pelo menos de parte do dinheiro que gastaram a combater Pablo Escobar. Dado que a totalidade do dinheiro de Escobar tinha sido arrestada, tal como a maior parte dos seus bens, Juan e a família recorrem a tudo o que encontram para satisfazer as pretensões dos líderes dos cartéis. Depois de uma passagem acidentada por Moçambique, onde tentam encontrar refúgio, Juan e a sua família chegam à capital argentina, Buenos Aires. E é aqui que Juan, depois de escolher um novo nome numa lista telefónica, tenta escapar à sombra do seu passado e iniciar uma nova vida.
Retrato de uma personagem marcante e de um momento muito particular na história de um país, “Pablo Escobar – O Meu Pai” é um livro que certamente irá despertar a curiosidade dos apreciadores de biografias, sendo igualmente recomendado a todos aqueles que desejam conhecer melhor a história do homem que, praticamente sozinho, colocou a Colômbia a ferro e fogo.
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