Ao iniciar a leitura de “O puto – autópsia dos ventos da liberdade” (Quetzal, 2014), o leitor será tentado a obter alguma informação – nem que seja recorrendo ao sempre sapiente «google» – acerca do “comandante” Paulo, o português nascido em África que relatou episódios da sua preenchida vida para um modesto gravador de cassetes, enchendo vinte e três destas fitas – na altura, o mais avançado que havia. E, a não ser que seja relacionado com o livro em questão, provavelmente não encontrará mais nada.
Será que somos, nós Portugueses, assim tão omissos quanto à nossa história recente? E não será que nos devemos perguntar qual o futuro de um povo que não cuida do seu passado, da sua história, que a compartimenta segundo interesses políticos mas pouco sociais? Vão valendo autores como Ricardo Saavedra, para entendermos uma fase conturbada da nossa história que, ainda assim, nos traz à memória rostos e nomes não tão distantes nem afastados de luzes mediáticas mais recentes.
A sua narrativa é fluente e simples, fazendo “escorrer” as páginas em ânsia; os termos utilizados relembrando, muitas vezes, o formato utilizado pela geração dos nossos pais – muitos deles também com a experiência de anos passados na guerra do ultramar – para descrever pessoas em determinadas circunstâncias ou situações.
Na verdade, nem sempre fomos esta nação de “brandos costumes”, que espera e desespera por algo melhor, mas que, invariavelmente, o vai buscar emigrando, deixando para trás o sol e a praia. Houve já quem acreditasse em ideais e lutasse por eles, estivessem eles errados ou não, pois caso contrário não passariam de resquícios sem sentido.
Quando vamos percebendo quem foi “o Puto”, alcunha dada a Paulo César da Cruz pelo lendário capitão Jaime Neves, descobrimos o rosto do inconformismo, ficamos marcados pela sua inquietude. Esteve preso e arranjou sempre forma de se evadir, nem que fosse da forma mais espetacular, arrastando com ele um total de 131 prisioneiros, naquela foi a maior fuga a Ocidente de que há memória (Cadeia de Alcoentre, Portugal. No seu tempo considerada a segunda mais segura da Europa).
Participou nas mais diversas guerrilhas que são a imagem de África, vagueou à seca pelo deserto, plantou bombas por Portugal, escapou a fuzilamentos, assaltou quartéis e esquadras de policia, exilou-se e, hoje em dia, nos seus cerca de 60 anos, bem pode ser o senhor que está ao nosso lado num qualquer café ou esplanada.
Não se tratam de juízos de valor, mais ou menos imponderados: são factos, páginas ricas em historia(s). Caberá a cada um interpretar e valorar sua imagem, julgar pela sua consciência, sabendo que vai sempre enriquecer e preencher lacunas, espaços livres ou nublados num passado que também é seu.
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