9 de Agosto de 1971. Através do boletim informativo nº 034, o comandante da 4ª Brigada, coronel Gustavo López, anuncia o sequestro de Dom Diego Echavarría Misas por três delinquentes armados, que o transportaram num veículo Jeep Comando branco com matrícula L4531.
É desta forma que tem início “O mundo de fora” (Alfaguara, 2014), da autoria do colombiano Jorge Franco, livro que levou para casa o Prémio Alfaguara 2014 e que lembra, a cada uma das páginas, o realismo mágico celebrado por Gabriel Garcia Márquez e seus pares.
Isolda vive, como a princesa Rapunzel dos contos de fadas, fechada num castelo fascinante e estranho, protegida de uma cidade onde «ouvimos histórias de bandidos e de roubos, do assalto a uma casa de onde levaram o faqueiro de prata, ou do assalto a um banco, de zaragatas nos bares, de infidelidades, de um pai que deu um tiro a um rapaz que lhe fugiu com a filha, de um demónio que apareceu a alguém ou de um feitiço com que alguma mulher conseguiu arrebatar um marido.»
Isolda é filha de Dom Diego e, durante este relato, viajamos para trás na linha do tempo, onde o narrador, presente mas incógnito, se esconde atrás das árvores observando uma rapariga que, muito provavelmente, será para ele sempre intocável. Isolda não vê o mundo de fora, apenas o imagina, ouvindo Beatles e brincando com os almirases, que a nossos olhos saltam como seres imaginários.
No tempo presente a história está centrada em Mono Riascos, o raptor de Dom Diego que, juntamente com uns bandidos de terceira categoria e uma mulher impetuosa, tenta conseguir um resgate junto da mulher de Dom Diego, que lhe permita deixar para trás Médellin e viver um amor proibido, abandonando a casa de sua mãe e um mundo que lhe sugou toda a esperança.
Ao mesmo tempo que seguimos estas duas linhas temporais há ainda uma terceira, que nos conta a história de amor – e, também, da falta dele – de Dom Diego e Dita – a mãe de Isolda -, que se conheceram em Berlim antes de decidirem vir juntos para Médellin, apesar de Dita recusar o casamento. Jorge Franco permite-nos viajar até à consciência de cada um deles, mostrando-nos de que forma o amor pode ser reduzido à insignificância, seja pela cultura que carregamos às costas, pelo lugar geográfico onde assentamos os pés ou, simplesmente, pela incapacidade individual.
É igualmente nesse plano que assistimos ao sonho de Dom Diego de ter um castelo, que nasce das plantas do velho arquitecto Enrico Arcudi, ainda que, por este se recusar a viajar de avião, sofra depois algumas alterações durante a sua implantação no terreno, quem sabe uma metáfora para os ideias trazidos de fora mas que, chegados à Colômbia, encontram terreno pouco propício ao seu cultivo.
Romance de amor e morte, “O mundo de fora” tem tanto de espírito poético como de thriller fantasmagórico, transportando-nos a um mundo que tem tudo para ser um conto de fadas. E que, diga-se, oferece ao leitor um final com várias dimensões que, de tão estranhas e irreais, nos deixam a pensar se, de facto, não teremos apenas sonhado com este livro.
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