“O Meu Pé de Laranja Lima” (Booksmile, 2015) não será, certamente, um título desconhecido do público, tendo sido já adaptado ao cinema e à televisão e marcado gerações de jovens leitores e espectadores de ambos os lados do Atlântico. O romance juvenil autobiográfico do aclamado autor brasileiro José Mauro de Vasconcelos é uma obra a descobrir ou a redescobrir, uma leitura gratificante e comovente tanto para crianças como para adultos.
Na verdade, “O Meu Pé de Laranja Lima” é uma história sobre a entrada na vida adulta, a perda da inocência e fim da infância. Porém, em vez de nos depararmos com um adolescente, a personagem que faz esta transição tem apenas cinco anos. Zezé é uma criança precoce e extremamente sensível – e todos sabem que a sensibilidade é frequentemente madrasta –, que se vê obrigada a amadurecer antes de tempo pela pobreza e pela violência física e psicológica que esta tantas vezes implica.
O livro tanto nos faz sorrir como nos arranca uma lágrima, entre as travessuras deliciosas do protagonista e a realidade opressiva de uma família numerosa e pobre, do desemprego, da frustração e desespero dos adultos, da mão pesada de miúdos e graúdos. Os momentos de ternura, inocência e afecto são contrabalançados pela frieza da realidade social em que Zezé existe, por tudo o que não lhe permite ser apenas uma criança de cinco anos, sem preocupações além da brincadeira e da escola. Os problemas de Zezé são os problemas dos adultos e, apesar de tudo, a sua imaginação vai sobrevivendo, a capacidade de se deslumbrar e de falar com as árvores, de ser amigo de morcegos e de se perder no imaginário cinematográfico dos westerns persistem.
É, de facto, uma obra maior da literatura juvenil, uma pérola agridoce como a própria infância, mas com uma dureza que resulta numa aprendizagem para o jovem leitor, que lhe incute empatia e consciência social ao mesmo tempo que o faz avançar para um nível de leitura mais maduro. O percurso de Zezé é, como já foi dito, o caminho para a entrada na vida adulta. Ao mesmo tempo que descobre afectos e amizades, toma consciência da brutalidade da vida demasiado cedo, atinge uma maturidade que não devia ter aos cinco anos e acaba por perder a inocência e compreender as engrenagens frias do mundo.
A escrita nunca perde o tom de encanto, a beleza nunca se esvai, mas fica um peso no coração, o peso que faz de nós adultos, quando a leveza, a despreocupação e a magia da infância são substituídas por uma noção mais acutilante da realidade, da dor e da perda. O fim da infância será sempre traumático, podemos argumentar, mas se é para ler um retrato desta perda maior por que todos passamos, que seja pelos olhos e pela pena de José Mauro de Vasconcelos, que o traça com uma sensibilidade e mestria maiores.
Trata-se de um clássico para crianças e para adultos, um livro a descobrir com encanto ou a reler com nostalgia. Uma história para redescobrir a criança que ainda temos escondida num canto do nosso coração, a jogar à macaca e a roubar maçãs do quintal da vizinha, um livro para o público mais jovem se identificar e compreender as diferentes infâncias que diferentes crianças podem ter. José Mauro de Vasconcelos acertou na mouche, e a nós cabe o prazer imenso de o ler e de o dar a conhecer aos mais pequenos.
2 Commentários
Li alguns livros de José mauro de vasconcellos. ficava extasiada com tanta ternura.
Os livros dele são pequeninos, mas as histórias são enormes, grandes de mais para caber no nosso coração!