Quando ainda sentimos frescos os ecos da “celebração” do centenário da Primeira Grande Guerra, são muitos e bons os livros que nos chegam e, entre eles, destaca-se por exemplo “O Gatilho” (Bertrand Editora, 2014), um relato fantástico que leva-nos a fazer uma viagem no tempo através da pena do britânico Tim Butcher, responsável por obras como “Rio de Sangue” e “À Caça do Diabo”.
Tal como nos seus trabalhos jornalísticos – Butcher é autor de reportagens de guerra de excelência e esteve nos conflitos ocorridos na Bósnia, Kosovo, Iraque ou Líbano –, o atual correspondente do britânico Daily Telegraph em Jerusalém transforma “O Gatilho” num impressionante exercício de determinação, onde os factos apresentados sobressaem através de uma nova abordagem e impressionantes perspetivas.
Dividido em 12 capítulos, “O Gatilho” (cujo subtítulo remete o leitor “no rasto do assassino que levou o mundo para a guerra”) traça-nos o perfil de Gavrilo Princip, um jovem que, na manhã de 28 de julho de 1914, em Sarajevo, disparou sobre o arquiduque Francisco Fernando, na época herdeiro do Império Austro-Húngaro, sendo essa ação a génese de um ciclo de acontecimentos que derivariam na Primeira Guerra Mundial, conflito que ceifou a vida a mais de 15 milhões de pessoas num espaço de quatro anos.
Butcher consegue, de forma extraordinariamente competente e factual, relatar a vida de Gavrilo Princip, o seu trajeto político e os seus motivos através de uma visão inovadora. Princip, que tinha o sonho de viver num país independente, desencadeou um rol de acontecimentos que mudaram e moldaram o mundo até aos nossos dias.
“O Gatilho” contextualiza a conjetura que possibilitou a Primeira Grande Guerra através de uma apresentação narrativa envolta de episódios factuais, memórias e flashbacks, elementos que ganham credibilidade e pertinência graças ao profundo conhecimento que Butcher tem da região dos Balcãs e que resulta da sua experiência enquanto repórter, entre os anos 1990 e 2012.
Estamos perante uma obra que também marca uma geração que viu a década de 1990 emergida em conflitos que tinham a definição de fronteiras como a principal meta, nem que para isso fosse derramado sangue ou que a tortura se assumisse como uma ferramenta legitimada pelo fim em si mesmo. Através de um efeito causa-consequência, a mais recente obra de Tim Butcher traça uma “analogia” entre os passos de Gavrilo Princip e a Primeira Grande Guerra, fazendo também uma tangente aos mais recentes acontecimentos nos Balcãs. Para tal, Butcher serve-se de uma prosa cristalina e fluente que trespassa a sua paixão, pelo que escreve assentando na primazia quase “poética” das descrições.
A investigação que deu origem a “O Gatilho” impressiona pela documentação apresentada sobre Princip e os registos fotográficos que acompanham a obra tornam-na mais credível, completa e entusiasmante. Mas Butcher não se contenta com o papel de “narrador”. As considerações que faz sobre a natureza conceptual de temas tão delicados como o nacionalismo, bem como as suas consequências, fazem-nos refletir sobre uma influência política que resvala na atual conceção das cada vez mais frequentes mexidas no mapa mundial, bem como do surgimento de novas fronteiras, um dos mais importantes desafios que a humanidade atravessa e que resulta em perigosos estados de alerta.
Sem Comentários