Quatro anos antes da sua morte, em 1990, o professor Agostinho da Silva foi a figura central de “Conversas Vadias”, um programa que misturava os géneros entrevista e debate e que levou à RTP um conjunto de personalidades da cultura portuguesa cujo objectivo era uma conversa com o intelectual portuense.
No quinto programa de “Conversas Vadias”, Baptista-Bastos pergunta a Agostinho da Silva: «O senhor professor considera-se um guru, um visionário, um profeta, um poeta ou um universitário?». Em resposta, Agostinho da Silva afirma: «Considero-me uma pessoa que tenta ser o mais simples possível e que deixa que a vida lhe traga os problemas que vai tentar resolver se puder. Mais nada.»
Esta faceta modesta mas genuína é uma das imagens de marca de um dos maiores pensadores portugueses de sempre, que apenas encontra paralelo, no que à pertinência de refletir o Portugal português, em Eduardo Lourenço.
Como uma espécie – ou tentativa de – de serviço público em forma de singular biografia, António Cândido Franco construiu “O Estranhíssimo Colosso” (Quetzal, 2015), um livro dividido em quatro partes que tem a tarefa hercúlea de dar a conhecer mais sobre o filósofo Agostinho da Silva, homem que ousou em toda a sua vida desafiar a normalidade, aceitando um estatuto de uma marginalidade que lhe dava o “privilégio” de poder dispensar o uso de, por exemplo, um bilhete de identidade.
Ao longo de mais de 730 páginas somos convidados a entrar na vida e nas desventuras de alguém que dispensava fronteiras ao pensamento, sob a perspectiva assumidamente apaixonada (e com elevadas doses de uma “saudável” vassalagem) de António Cândido Franco, professor universitário, autor de vários estudos sobre literatura e cultura portuguesa e responsável por livros como “A Vida Ignorada de D. Carlos” ou “A Literatura de Teixeira Pascoaes”.
“O Estranhíssimo Colosso” inicia com um resumo do que foram os primeiros anos de vida de Agostinho da Silva, dos seus familiares, os anos de faculdade, a primeira aventura na capital e de «uma noiva que chegava de comboio a Lisboa e lhe aveludava as tardes de sábado e as horas de domingo».
Na segunda parte da obra, Cândido Franco versa sobre o activismo cívico e cultural de Agostinho da Silva, recordando passagens por França, Moçambique e Espanha, polémicas com personalidade nacionais, o fim do namoro com a mítica “Seara Nova”, as interrogações ao catolicismo e a decisão de rumar ao Brasil, país que serviu de ponte para explorar outros recantos da América do Sul, episódios retratados na terceira parte de “O Estranhíssimo Colosso”.
Na última parte da obra, as referências maiores trazem de volta Portugal ao radar de Agostinho da Silva, que regressou à sua pátria em 1969, tendo ainda tempo para viver Abril de 1974, envolver-se em inúmeras missões intelectuais e sentir-se, na ressaca do já referido programa “Conversas Vadias”, «enjoado de si».«
Conhecer e mostrar Agostinho da Silva é, simultaneamente, um acto de bravura e uma singela homenagem. E é isso que pretende ser este livro, uma obra nada fácil pois, tal como escreve Cândido Franco nas últimas linhas de “O Estranhíssimo Colosso”, «escrever uma bibliografia de Agostinho da Silva é andar com o mundo ao colo».
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