Originário de Trindade e Tobago e com forte ligação ao Reino Unido, a V. S. Naipaul pode aplicar-se um cliché de Fernando Pessoa e catalogá-lo como um “cidadão do Mundo”. Tenta ser um autor mordaz, gostando de escrever sobre viagens ou locais distintos, como anteriormente fez em “A Curva do Rio” ou “Uma casa para Sr. Biswas”.
Chega-nos agora “O Enigma da Chegada” (Quetzal, 2015), considerado eventualmente um dos textos mais íntimos do prémio Nobel, isto após um corte de relações do autor para com novas publicações – há quase uma década que não editava.
Num obra que se inicia numa quinta em Inglaterra, Naipaul faz-nos percorrer dezenas de páginas até tornar compreensível o verdadeiro lugar do narrador, que tenta descobrir-se como autor e tenta, a espaços, interagir com os escassos habitantes do local isolado para onde teve a felicidade de ir viver.
A sua chegada foi uma surpresa e as partidas de terceiros são autênticos enigmas. No entanto, com o avançar das páginas existe uma marca soturna e melancólica que não larga o leitor. A vida do narrador parece demasiado monótona e o quotidiano no local onde está inserido nada de novo lhe traz. Talvez advenha daí o caracter autobiográfico desta obra, até porque, claramente, o narrador é a peça fulcral do livro. Todos os outros acontecimentos, incluindo a morte de vizinhos com quem vai travando contacto, tornam-se meramente acessórios – embora, pelo meio, existam dissecações e análises constantes sobre os seres que habitam na quinta que acolheu o narrador. No entanto, todas essas análises são superficiais, o que nos retira a possibilidade de conhecer integralmente aqueles que partilham o mesmo espaço do narrador, com excepção de Jack, personagem secundária neste romance mas que tem direito a um dos capítulos da obra. Amiúde observamos a forma como o narrador compara aquele local com a sua distante Trindade.
Muito fácil é para o leitor imaginar o espaço que rodeia o narrador, tão meticulosas são as descrições com que este nos brinda. Por vezes chegavam novos habitantes a Wiltshire, a localidade exacta onde se desenrola grande parte da prosa, mas estas novas presenças não parecem sentir a terra como sua: o trabalho que lá iriam desenvolver seria apenas um meio de sustento e de alguma ordem interior, para as quais o narrador olhava com desdém, não compreendo porque não se dedicavam ao seu limitado bocado de terra como fazia, por exemplo, o jardineiro Pitton, talvez o único que escapa aos preconceitos de Naipaul. Não compreender a sua terra actual seria como não compreenderem a própria existência e, neste caso, é como se o narrador fizesse um apelo à sua própria superioridade moral enquanto recorre a constantes introspecções solitárias.
Há também espaço para a decadência, nesta caso a de uma mansão e de uma quinta onde outrora existiam dezasseis jardineiros e, agora, tem apenas um. Ou para o narrador interpretar a mutação do local onde vive, assombrado pelo conhecimento de casos de mortes e adultérios.
Nesta obra que se desenrola lentamente e em cinco partes diferentes (entre Trindade e Wiltshire, entre a viagem de Naipaul do Caribe para Inglaterra e todo o percurso intermédio) imperam, também, questões como o colonialismo, o racismo e a procura da independência, além da busca incessante da auto-percepção.
“O Enigma da Chegada” representa a viagem de um autor de Trindade para Inglaterra, numa missão de auto-conhecimento e a convivência com um novo estado de espirito. É, também, a combinação da angústia colonial com a dos pensamentos íntimos, de um escritor que nos transmite a ausência do sentimento de pertença.
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