“O Árabe do Futuro” (Teorema, 2015) – com o sub-título Ser Jovem no Médio Oriente (1978-1984) – é o primeiro volume de uma trilogia da autoria de Riad Sattouf, na qual o autor pretende relatar a sua infância e juventude entre o Médio-Oriente e a Europa.
A autobiografia tem sido um dos géneros mais aclamados pela crítica na BD, algo que não passou despercebido às editoras portuguesas, cada vez mais investidas em segui-lo atentamente. É relativamente fácil associar um género de BD a uma determinada editora, pois tal como a ASA é conhecida pela publicação de BD francófona de linha clara, a Levoir é conhecida pela sua preferência dos Super-Heróis norte-americanos. É por isso ainda mais curioso constatar que a autobiografia na BD parece ser o género que une, definitivamente, tudo e todos. Basta citar alguns livros como “MAUS”, “Fun Home”, “Comprimidos Azuis”, “ A Arte de Voar” ou este “O Árabe do Futuro” para reunir o nome de editoras como Bertrand, Contraponto, Devir, Levoir e Teorema, respectivamente.
Foi Faulkner quem disse que “a única coisa sobre a qual vale a pena escrever, é o coração humano em conflito consigo mesmo”. À luz destas palavras é fácil entender o fascínio pelas biografias, uma vez que em todos nós existe sempre esse conflito interior, o qual, expresso pelas palavras – ou, neste caso, por desenhos certos -, pode resultar numa grande história, num grande livro.
Nesta primeira parte de “O Árabe do Futuro” seguimos a vida de Riad Sattouf desde o seu nascimento até aos seis anos de idade. À semelhança do que acontecia em “Persépolis”, de Satrapi, temos aqui um relato dos acontecimentos a partir dos olhos de uma criança, a qual, na sua inocência, nos vai transmitindo, de forma honesta e brutal, as experiências de alguém que vê a sua educação europeia ser trocada por uma do Médio-Oriente.
O livro, como o próprio subtítulo indica, foca-se mais num desbravar da cultura muçulmana, notando-se uma clara intenção em apresentar o leitor ocidental a estes costumes e a esta realidade militar e religiosa, vivida, na altura, tanto na Líbia de Kadafi, como na Síria de Hafez Al-Assad.
Uma das figuras centrais desta primeira parte tem de ser o pai do autor, aquele que no início personifica o herói desta criança. Natural da Síria, Abdel-Razak Sattouf teve a oportunidade de concluir os seus estudos universitários em França, graças às suas qualidades académicas. É precisamente na faculdade que vem a conhecer a sua futura mulher e mãe do autor.
Ao longo do seu desenvolvimento, Abdel-Razak sempre se mostrou um ávido defensor do pan-arabismo, utilizando os grandes ditadores árabes como modelos educacionais para o seu filho. Ao regressar ao Médio-Oriente – fruto das limitações profissionais que encontra em França –, torna-se ainda mais notória a assimilação destes valores sócio-culturais, fruto do contexto em que se encontra agora inserido. Até o ateísmo, a sua característica mais demarcadora, parece perder força, a dada altura, na educação dos seus filhos, uma vez que a religião assume uma importância tão grande para os seus compatriotas e familiares. Desta forma, o Árabe do Futuro que Abdel-Razak Sattouf idealiza ter no seu filho poderá vir a ser, nada mais nada menos, do que o Árabe do Presente.
Em termos de desenho, Sattouf mantém um traço limpo e caricatural, o qual serve não só o ponto-de-vista infantil da narrativa como a crítica social e religiosa que, através do humor, impregna toda esta história. Além do típico preto-e-branco, tão comum neste género de BD, Sattouf acrescenta ainda uma outra cor, de forma a distinguir facilmente a geografia em que as personagens se encontram.
Com esta BD, Sattouf já reuniu alguns prémios de destaque: o Fauve d’Or para “Melhor Álbum do Ano” no Festival Internacional de BD de Angoulême 2015; o Grande Prémio RTL 2014 para “Melhor livro de BD do ano”; o Prémio para “a melhor BD” no festival do livro de Saint-Étienne. Desta forma, além de se tratar de uma aposta valorosa por parte da Teorema, “O Árabe do Futuro” parece ser também uma aposta segura. Esperemos agora, num futuro próximo, poder contar com os capítulos seguintes.
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