“E sabia que a multidão ululante que o invectivava e, momentos antes, lhe rogara pragas ao longo do trajecto para a forca, era, no fundo, a mesma turba anónima e cobarde que, três décadas antes, festejara, alarve e despudoramente, em Nápoles, a execução de Leonor Pimentel”, relembra Marquês de Nisa, um dos protagonistas, a caminho da sua morte. “O Almirante Português” (Marcador, 2015) dá a conhecer as memórias da guerra napoleónica em Nápoles, Itália, e da participação de uma força portuguesa na Campanha do Mediterrâneo, ao lado da esquadra britânica, pelas mãos de Jorge Moreira Silva. Mestre em História Marítima e com cinco livros de pesquisa histórica e centenas de artigos técnicos e culturais publicados, o livro marca a estreia do autor na ficção. Um início fresco e leve, com personagens cativantes a a darem qualidade e força ao enredo.
Antes de toda a acção começar – da chegada da armada portuguesa a Argel ao lado das forças britânicas – é dada a conhecer a morte do Moreira Freire, um das personagens mais relevantes para o desenrolar da história. Uma morte que fica por explicar e que despoleta o início das memórias da armada portuguesa em terras e águas italianas. Ao longo do enredo são apresentadas dezenas de personagens, com um elevado grau de importância: Domingos Xavier de Lima , Pinto Guedes, a destemida e revolucionária Leonor Pimentel, o galante Carcciolo, Campbell e muitos outros. Em capítulos relativamente curtos, o relacionamento destas personagens desenvolve-se e acabam por ser ligar: em Nápoles, em Portugal – onde o Marquês de Nisa se casa com a sua jovem esposa – e em pleno oceano. Combates, inimizades e poder, equilibrados em cada uma das frentes de guerra.
Um dos pontos fortes de “O Almirante Português” é a realidade injectada no enredo: a existência da maioria das personagens e unicamente a invenção dos relacionamentos entre algumas personagens – de forma a criar conteúdo e brilho ao livro. Um outro elemento atractivo neste enredo é o aparecimento dos piratas mouros e o rapto de uma jovem rapariga açoriana, com um irmão ferido à beira-mar e sem nada conseguir fazer para salvar o último elemento da sua família. De forma a ir atrás da jovem irmã, acaba por entrar na Armada Portuguesa e abandonar os Açores. Apesar serem meramente personagens secundárias, a sua força acaba por prender a atenção do leitor ao longo das páginas, na ânsia de querer saber o que aconteceu à jovem loira que caiu nas mãos de piratas bárbaros.
Apesar de os portugueses serem chamados, por um tenente inglês, logo nas primeiras páginas de “a raça mais reles e vil” e serem um país miserável sem a Inglaterra, o facto é que mostram mais coragem ao longo de todo o apoio contra às forças militares da República Francesa – comandadas por Napoleão Bonaparte em 1798 – do que todos os outros povos europeus que participaram neste confronto. De certa forma, este livro relembra a coragem das forças navais portuguesas: comandados pelo Marquês de Nisa, participaram na campanha do Egipto e também no bloqueio de Malta, para além da revolução napolitana – o cenário central desta obra. Se é de uma riqueza extrema relembrar a força dos portugueses contra Bonaparte, é também interessante assistir aos confrontos em Napóles: jacobinos convertidos – contra a monarquia – e religiosos fervorosos.
“O Almirante Português” é mais uma brilhante marca na colecção Livros RTP e de romances históricos da Marcador. Se a época de crise ainda teima em invadir o nosso país, nunca é demais relembrar um passado recheado de vitórias e descobrimentos. De almirantes, navegantes e militares loucos por saber o que está à sua volta. Memórias que tendem a ser, cada vez mais, esquecidas. Restam os romances e, desta vez, o talento de Jorge Moreira Silva.
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