O cantor Enrico Caruso, estrela musical do princípio do século XX, viveu uma vida pessoal rocambolesca, contraponto da sua voz incomparável. Como qualquer vedeta que se preze, era um símbolo sexual e um conquistador inveterado. Em 1906 foi alvo de um processo por conduta obscena. Foi acusado por uma senhora de lhe ter apalpado o rabo durante uma visita ao Jardim Zoológico de Nova Iorque. Indignado, Caruso defendeu-se em tribunal dizendo que estava inocente do crime: segundo ele, tinha sido um dos macacos a apalpar a vítima.
Esta é apenas uma das histórias deliciosas que podemos encontrar no livro de Pietro Leveratto, intitulado “Musicoterapia de A a Z – remédios musicais para cada estado de alma” (Jacarandá, 2015). O episódio de Caruso é referido a propósito do infortúnio de termos de nos ausentar para longe: o remédio musical prescrito para esta situação é a música “Over There”, celebrizada pelo cantor napolitano.
Leveratto propõe com este livro outras “mézinhas” sonoras para diversas afectações e estados de espírito. Ficamos a conhecer as músicas que podem ajudar-nos a lidar, por exemplo, com a insónia, o pavor de voar, as dietas e até mesmo o sentir-se assim-assim (para que saibam recomenda-se “Sweet Jane”, de Lou Reed).
Partindo desta premissa original, o livro explora exaustivamente a história da música nas suas muitas vertentes: desde os compositores clássicos mais celebrados até à música mais obscura, passando pelo jazz, pela pop e muitas outras latitudes.
O autor é ele próprio músico – contrabaixista de jazz – e demonstra nesta obra um amplo nível de erudição sobre o assunto. Escreve com o mesmo à vontade sobre Miles Davis, Radiohead, Bach ou David Bowie. A sua abordagem é sempre interessante, assente na biografia dos autores e no seu contexto histórico e pessoal.
O entusiasmo de Pietro Leveratto leva-o por vezes a usar algumas expressões que nos deixam a coçar a cabeça pensativamente – como quando se referem eructações do contrafagote ou trenodias ctónicas. Mas, no geral, trata-se de um livro acessível, informal e bem-humorado. Ainda assim, uma leitura ideal não dispensa uma conta de streaming musical, que nos permita explorar as muitas referências presentes – ou uma conta bancária recheada, que possibilite a compra de muitos discos.
É um dos méritos do livro de Leveratto: abrir-nos a porta para inúmeras referências da história musical, que deram forma à música como arte maior. “Musicoterapia de A a Z” é uma espécie de enciclopédia viva, que pode ajudar o melómano mais exigente a explorar os inesgotáveis caminhos sonoros referidos. Não falta uma playlist para servir de acompanhamento sonoro do livro, e uma lista de compras no escaparate da música clássica.
Não resistimos a deixar ao leitor o remédio musical prescrito por Leveratto para a raiva: uma música da banda de grindcore Napalm Death chamada “You Suffer”, que detém o recorde de canção mais curta de sempre. Dura um segundo e algumas décimas, e o que se ouve é apenas “um grunhido assustador (…) e uma espécie de estrondo em pano de fundo que são guitarra e bateria, embora pudesse tratar-se de outra coisa qualquer. O efeito é imediato e libertador como atirar pratos contra o muro ou bater com a porta. Sentimo-nos logo melhor e o trabalho ficou a cargo destes tipos. Continua tudo limpo.”
1 Commentário
Gratificante a audição desse multiinstrumentista…vou procurar esse livro… valeu