“Os barcos que conheceram o sabor da aventura apaixonam-se pelos mares de tinta e navegam de gosto no papel.” E será com Luis Sepúlveda ao leme que, numa viagem a dois tempos, embarcamos com um único destino: o “Mundo do Fim do Mundo” (Porto Editora, 2016).
A princípio seguimos Ismael, um adolescente faminto de aventura e fascinado pela leitura do clássico Moby Dick que decide, nas férias de Verão, embarcar num baleeiro para conhecer os “confins austrais do continente americano, as terras onde o mundo termina”. Mais tarde, o mesmo narrador, agora adulto, jornalista em Hamburgo e membro activo de movimentos ecologistas, regressa às mesmas paragens, mas pelos piores motivos: ao que tudo indica, navios piratas estão a destruir desenfreadamente a fauna marítima da região. O suspense será mantido até ao fim, altura em que Ismael desvenda todos os mistérios e vê, pelos próprios olhos, aquilo que palavras não conseguem igualar, até porque “não basta a linguagem para falar do mar”.
Em poucas páginas, como só os bons escritores conseguem fazer, Luis Sepúlveda cria uma narrativa que leva o leitor a uma profunda reflexão. Os sonhos da juventude embatem na dura realidade da vida adulta, através de um relato cristalinamente denunciador das práticas de caça ilegal de espécies protegidas. Sepúlveda põe tudo a descoberto, desde as piráticas manobras de criação de navios fantasma, as cruéis técnicas de caça de baleias, a hipocrisia de países que descaradamente não cumprem convenções internacionais, aos obscuros interesses do poderio económico. O autor parece assim combater o lema “desprezo o que ignoro”: aqui, tudo fica a nu.
Bastante evidente fica também o tom autobiográfico que esta obra adquire. Tal como a personagem principal, Sepúlveda é chileno, exilado político na Alemanha, tendo vivido em Hamburgo, jornalista, defensor do meio ambiente e, desde jovem, um viajante incansável. Chegou mesmo a trabalhar a bordo de um barco da Greenpeace, o que torna a narrativa viva e toda a experiência de leitura muito mais interessante.
No meio de tantas façanhas que entristecem qualquer apaixonado pela natureza, há especiais motivos para os leitores portugueses sorrirem com esta leitura – a referência a Fernando Pereira, o fotógrafo português e activista da Greenpeace, mártir da causa ambiental.
Apesar do teor marcadamente ecológico, desenganem-se os que pensam que este livro se limita a ser uma voz crítica. Somos automaticamente absorvidos pela sua componente de livro de viagem e pelas histórias míticas que o autor nos faz chegar em diálogos com a população local – chega mesmo a ser um verdadeiro roteiro pelo Chile Austral. Uma vez dentro deste barco expedicionário, visitamos os mais recônditos cantos do nosso planeta, esse tal Mundo do Fim do Mundo, contemplando a magistral beleza da natureza.
A esta nova edição da Porta Editora, bastante atractiva do ponto de vista gráfico e prática pelo formato de bolso, fica a faltar a integração de um mapa, presente noutras edições deste mesmo livro. É com bastante facilidade que o leitor se afoga nas abundantes referências geográficas e, entre estreitos, portos, cabos e canais, nem todos os leitores terão a orientação de um bom marinheiro.
Despertando a consciência ambiental de cada um de nós, “Mundo do Fim do Mundo” faz-nos sonhar com “mares abertos em que todas as espécies possam viver e multiplicar-se em paz e harmonia com as necessidades humanas”. Sepúlveda faz os alarmes soarem bem alto contra os homens que “viraram as costas ao encanto dos oceanos”. Entre aventuras e descobertas, será a força da natureza superior à mão destruidora do homem? Numa ode aos que corajosamente combatem os crimes ambientais e numa verdadeira “demanda pela salvação da vida do seu mar”, o livro fará as delícias das almas revolucionárias. “Amor e ódio. Vida e morte. Segredo e revelação. Tudo ao mesmo tempo e sem idades. É isso o mar…”
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