“(…) no entanto, as mulheres – as boas mulheres – assustavam-me porque acabavam por querer a alma de um tipo, e a minha vontade era conservar o que sobrava da minha.”
Mais do que as mulheres, a verdadeira paixão colocada em cada página de “Mulheres” (Alfaguara, 2015) é o álcool. A cada mulher consumida, não falta um copo ou uma garrafa na mão. Contra o desejo e a tensão sexual vence sempre a vontade de saborear o puro álcool, um elemento purificador para a alma marginal do protagonista de Charles Bukowski.
Em Los Angeles, Henry Chinaski vê a sua vida mudar de um momento para o outro quando decide tornar-se escritor e dar a conhecer a sua veia artística aos leitores. Após anos perdidos em trabalhos mal pagos e sem perspectivas para o futuro, Chinaski vê o seu sonho tornar-se realidade. Como consequência, acaba por se deixar levar pelos excessos do que nunca conseguiu ter: pela bebida e pelas mulheres que lhe batem à porta de casa.
Uma mulher é como uma garrafa vazia, um simples objecto para satisfazer o desejo e, posteriormente, usado nos seus poemas. São noites intoxicadas pelo cheiro das mulheres, dos bares ou das mercearias por onde passa para comprar as suas garrafas. “Porquê sempre mais mulheres? O que é que eu estava a tentar fazer? Os novos casos eram excitantes, mas também davam uma trabalheira. O primeiro beijo, a primeira trancada envolviam algum dramatismo.” Para Chinaski, os 50 anos são os novos 20: momento em que vive desenfreadamente a vida urbana em Los Angeles, em que tem a liberdade de viver o “sonho americano” – todo o seu sucesso e prosperidade alcançados através da escrita – à sua maneira.
Bukowski descreve, de forma crua, todos os episódios que envolvem o dia-a-dia deste velho escritor. Só um escriba do talento de Bukowski consegue dar brilho e interesse a uma vida tão excessiva e, quem sabe, tão cobiçada mesmo em pleno século XXI. Um homem que desperta ao meio-dia – com ressaca incluída quase diariamente –, faz sexo com as mulheres que entram na sua vida e escreve em poucos momentos: é esta a imagem construída pelo escritor e que reflecte tão bem as palavras colocadas na revista Time sobre Bukowski: trata-se efectivamente de “uma ode à vida marginal americana.”
É preciso perspicácia com as palavras para manter o interesse do leitor na monotonia: há mestria na descrição de idas e vindas a casa de outras pessoas – sobretudo mulheres – em Los Angeles, das leituras de poesia em bares ou das conversas banais com outras personagens – vizinhos, leitores ou os poucos amigos de Chinaski.
Mas não são só os excessos que perduram nas páginas deste livro. O protagonista olha para a sua consciência e reflecte – mesmo que por pouco momentos – sobre as suas acções. “As relações humanas são estranhas. Quero dizer, passamos um certo tempo com uma pessoa, comemos e dormimos e vivemos com ela, amamo-la, conversamos com ela, vamos a sítios juntos, e depois acaba.” São poucas as acções, mas essenciais em todos os momentos de “Mulheres”: após noites regadas a álcool e sexo, nunca fica mal ouvir uma consciência pesada.
“Mulheres” é a eterna procura de um escritor por si mesmo. Da forma mais dura e monótona, Henry Chinaski encontra as suas duas musas – as mulheres e o álcool -, e não é de admirar que o legado de Charles Bukowski se mantenha tantos anos após a sua morte. A vandalização da imagem do ser humano e, mais discretamente, da imagem da mulher, continuam actuais em pleno ano 2015. Se há livros que entram no mercado literário para ficar, este será certamente um deles.
1 Commentário
Li mulheres confesso , como mulher que a leitura foi tão maçante que nem fiz questão de termina -la, aprecio os poucos momentos que o autor faz sua auto análise em meio a narrativa tão vulgar , pessoalmente acredito que a realidade impressa nas páginas , de como o ser humano promíscuo, mas sem toda a filosofia de Bucowski, nos deixa sem expectativas de alimentar o amor romântico a que estamos tão condicionados, uma dura visão da realidade…