“Modernidade avulso: escritos sobre arte” (A Ronda da Noite, 2015), de Isabel Nogueira, é um livro sobre a arte e sobre a modernidade que percorre vários caminhos assumidamente dispersos entre cinema, pintura, fotografia e outras artes. Quem estiver à espera de visões panorâmicas ou explicações globais, não as encontrará por aqui. O que temos é outra coisa: uma amostra do trabalho académico da autora e um exemplo do que é a reflexão universitária sobre a arte — e, neste caso, sobre a modernidade. Ora, neste ponto, convém avisar o leitor: quem vem de fora e encontra um livro destes, depressa descobre que está perante o muro da linguagem académica.
Talvez seja proveitoso fazer aqui um pequeno detour — nada desadequado a uma crítica a um livro destes, que nos dá uma série de olhares dispersos sobre o seu tema, como se tivéssemos entre mãos um texto feito apenas de digressões. Lembremo-nos, então, do recente livro de Steven Pinker, The Sense of Style, onde se analisa a verdadeira necessidade desta linguagem académica. Será que há vantagens em escrever assim, mesmo no caso de textos escritos por académicos para académicos? Steven Pinker acha que não — quase sempre é possível escrever de forma mais clara, com vantagens para todos. E não se acuse quem defende tal desaforo de estar a ser facilitista. Só quem nunca tentou escrever de forma clara sobre assuntos difíceis pode pensar que é mais difícil escrever em academês. Difícil é ser claro. Fim de digressão.
Diga-se então ao leitor: está perante este muro, esta linguagem que exige alguma iniciação. Não desanime, no entanto. O que os académicos dizem pode ser mais ou menos opaco, mas é muito mais interessante do que se pensa (e, caindo de novo na tentação da digressão, é por isso mesmo que é quase trágica esta incapacidade de sair dos espartilhos do academês).
O que ganhamos em subir a este muro e olhar para o que atrás se esconde? Ganhamos uma visão bem mais rica da arte, do cinema, da pintura. Ganhamos ginástica mental para olhar para as artes visuais com óculos menos embaciados.
Se há fio condutor em todo o livro, será uma reflexão sobre a modernidade: desde o laço de Baudelaire, que abre o livro, até ao estudo da sexualidade (a)típica no cinema, passando por um texto sobre Almada Negreiros e Ernesto de Sousa e o ser moderno em Portugal (um dos pontos altos do livro).
Um dos textos mais interessantes é “Considerações a respeito da crítica de arte e da sua função”, em que a autora reflecte sobre o papel do crítico de arte. Diz a autora, no final desse texto: «A actividade crítica poderá revestir-se de uma certa carga poética e ideológica, ou até lúdica, fazendo um convite ao potencial receptor para fruir a arte […].»
Exacto: depois de ler este livro, ficamos habilitados a fruir melhor a arte que nos rodeia. É um livro que nos dá uma maior capacidade de sentir prazer com outras artes e outros livros — o que paga, sem margem para dúvidas, o esforço de enfrentar a linguagem académica em que está escrito.
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