Escrita no ano de 1929, a novela “Mendel dos livros” (Assírio & Alvim, 2014) foi publicada em folhetim pelo jornal vienense Neue Freie Press, do qual Stefan Zweig, o seu autor, era colaborador em regime permanente.
Narra-se, em poucas páginas, a história de um judeu ortodoxo, estabelecido há anos em Viena como um prestigiado alfarrabista/vendedor de livros ambulante, cujo único interesse na vida eram os livros que comprava e vendia a universitários e académicos da cidade. Isto até a Guerra, algo que não fazia parte do «seu mundo superior de livros», o atirar para um campo de concentração, devolvendo-o mais tarde ao mundo – e ao Café Gluck, onde passava quase todo o seu tempo – reduzido a escombros: «Algo no seu olhar, outrora tranquilo, parecendo apenas sonolento na forma como lia, aparentava estar irremediavelmente destruído.»
Espantosamente, esta pequena história ganhou o tom profético de um oráculo, antecipando em mais de uma década o definhamento do próprio Stefan Zweig. Verdadeiro “cidadão europeu”, pacifista empenhado e entregue aos seus livros com a mesma paixão de Mendel – pretendia escrever uma obra literária que tivesse em si mesma características universais -, Zweig foi mais uma vítima da barbárie nacionalista-socialista, acabando por perder tudo: o seu país, a sua língua, os seus leitores da língua alemã e, por último, o próprio sentido da vida, acabando por se suicidar no Brasil, país para onde se mudou depois da fuga para Inglaterra, corria o ano de 1934.
Ao mesmo tempo que relata o absurdo da guerra, nomeadamente o modo em como esta transfigura a vida de um cidadão comum de todo alheio à política e ao jogo do poder, “Mendel dos livros” é também uma homenagem à Literatura e aos livros, esses objectos que «só se criam com o fim de unir as pessoas para além da própria existência e, assim, de se defender do inexorável oponente de tudo o que vive: fugacidade e o esquecimento.» Uma pequena mas muito brilhante pérola literária.
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