Uma das ideias que imortalizará Albert Cossery (n. Cairo, 1913) tem por base a frase seguinte: «Não fazer nada é uma actividade interior, não é preguiça, é reflexão».
Em “Mandriões no vale fértil” (Antígona, 2014), o autor discorre sobre os prazeres de uma vida recatada e afastada do turbilhão social, centrando-se no prazer do ócio de uma família composta por homens que consideram o acto de arranjar trabalho e ter um ofício na vida um gesto de insolência, provocado por doses consideráveis de revolta interior.
Serag, peça central da obra, vive no limbo, indeciso entre seguir a tradição familiar de observar a vida a passar por si, como se estivesse anestesiado, ou atrever-se a tornar-se o primeiro do seu sangue a romper com os hábitos familiares e superar-se a si próprio. O afecto que a criada da família sente por ele inibe-o de prosseguir o seu caminho sozinho, mas o desdém com que encara a atitude dos seus familiares vão tornado Serag cada vez menos apegado à casa que habita.
Mas não é apenas o agregado familiar de Serag que não entende a sua postura proactiva. Também Antar, um menino que Serag conhece enquanto caçava pardais, desconhece os motivos que levam a que este tenha um apresso tão grande pelo acto de trabalhar. A forma como o autor nos guia ao longo deste romance leva-nos a estar do lado de Antar: para que quererá Serag à força ser diferente dos seus? Que necessidade tem ele de provar que é superior aos demais? As ruínas de uma fábrica abandonada e o prazer pelo desconhecido movem Serag, que não desiste facilmente da sua ambição.
O que cativa o leitor ao longo da obra é o acompanhamento da doce ociosidade que é a vida de Serag, tentando descobrir se este sempre irá pôr em prática a ambição interior de se afirmar no quotidiano dos seres comuns. É a dicotomia entre a obstinação ou a procrastinação que, ao longo de 220 páginas, consomem o leitor.
Recentemente reeditado pela Antígona – a primeira impressão data de 1999 -, Cossery traz-nos neste romance uma história do seu Egipto natal, mas que se pode aplicar a qualquer ponto da civilização que nos é contemporânea.
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