“Malditos – histórias de homens e de lobos” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015), do jornalista Ricardo J. Rodrigues, poderia intitular-se algo como “relatos de uma guerra sem vencedores”. Uma colectânea de quatro reportagens sobre eternos inimigos oferece-nos um retrato sombrio da realidade do interior português: uma terra em que humanos e lobos estão igualmente em perigo de extinção. Vive-se um paradoxo não desprovido de uma ironia triste, na medida em que o progresso a nível das infra-estruturas não trouxe com ele uma melhoria das condições de vida das populações ou colocou um entrave à desertificação do interior, acabando por colocar em perigo a sobrevivência da outra raça autóctone destas regiões – os lobos.
Ao dividir este livro em quatro histórias ou reportagens, o autor cobre esta guerra das perspectivas de ambos os “exércitos exaustos” e os tempos desesperados que vivem. Os lobos são perseguidos pelos humanos, seja pelo seu ódio ancestral ou simplesmente pela sua expansão e invasão de território, e os humanos são acossados pelos poucos lobos que ainda há ou que regressam contra todas as expectativas e lhes dão caça ao gado. Uma guerra de exércitos famintos e abatidos que, no fundo, padecem precisamente do mesmo mal, que é a morte do seu mundo. O livro aborda também o papel das instituições e dos intervenientes que tentam salvar as parcas alcateias portuguesas e conciliar as existências dos guerreiros humanos e lupinos. No fundo, este terceiro livro de reportagem de Ricardo J. Rodrigues é um tomo extremamente elucidativo e informativo sobre uma realidade praticamente desconhecida e uma reflexão cativante sobre os destinos do Portugal rural e dos seus habitantes ameaçados.
Trata-se de um livro de serviço público com qualidade literária e de leitura fácil e rápida que coloca nas mãos do leitor a responsabilidade de reflectir sobre o estado do seu país e sobre a fragilidade de dois segmentos da sua população, o animal e o humano, esquecidos e depauperados. Agradará certamente a leitores de ficção e de não-ficção do mesmo modo, até porque as histórias apresentadas com uma humanidade tocante são fascinantes e comoventes, aproximando-nos do coração despedaçado de um país que tem vindo a esquecer o seu interior, as suas origens mais rurais. Um livro que recorda que Portugal não é apenas os centros urbanos e o litoral e que dá rosto às baixas de uma guerra que ainda pode ser vencida através da consciencialização para a luta pela sobrevivência de humanos e de lobos, afinal, os dois lados de uma mesma moeda.
Este livro integra a Colecção Retratos da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
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