Quando Apostolos Doxiadis decidiu escrever sobre a épica procura das fundações da matemática, questionou-se sob o formato em que tal odisseia deveria ser apresentada. A resposta para esta questão era – à falta de melhor palavra – lógica.
O facto de a Banda-Desenhada misturar a linguagem verbal com a pictórica, proporcionava opções artísticas bastante agradáveis aos seus autores, que pretendiam captar o maior número de leitores interessados ao contar uma história que é, na sua base, sobre matemática, uma ciência que impõe não só respeito como temor em muitos. É verdade que Doxiadis nunca teve a intenção de se debruçar a fundo sobre a componente teórica, estando mais preocupado em desenvolver a vida dos matemáticos do que a matemática em si, explorando, por exemplo, a aparente ligação entre a lógica e a loucura, que ele tanto insiste em crer. De qualquer das formas o que interessa reter é que a opção pela linguagem da BD prevaleceu e, mais importante ainda, “Logicomix” (Gradiva, 2014) resultou.
Uma vez que num livro desta magnitude a matemática não pode ser descurada, a acompanhar Doxiadis na escrita temos o cientista computacional Christos Papadimitriou, peça fundamental neste puzzle matemático. Para terminar a equipa falta ainda mencionar os responsáveis por dar vida às palavras dos autores acima citados. Alecos Papadatos, no desenho, e Annie Di Donna, na cor, foram os escolhidos para este grande desafio.
A procura pelos fundamentos da matemática teve o seu período mais fértil entre as últimas décadas do séc. XIX e o início da Segunda Grande Guerra. Foi durante este período que a lógica acabou por ser considerada um ramo autónomo da matemática. Ramo, esse, de uma importância tal que acabaria por conduzir à emergência do computador no final do século XX.
A forma como os autores optaram por apresentar esta história recaiu sobre a vida de um dos matemáticos mais influentes da época: Bertrand Russel. É a partir da história da sua vida que vamos seguindo os seus dilemas filosóficos e matemáticos, que acabaram por o conduzir ao seu paradoxo da “Teoria de Conjuntos”, a qual viria a abalar as fundações da matemática na altura. É também a partir desta personagem que entramos em contacto com outros nomes de igual importância neste tema: Georg Cantor, Gottlob Frege, Kurt Gödel, David Hilbert, G. E. Moore, John von Neumann, Henri Poincaré, Alan Turing, Alfred North Whitehead e Ludwig Wittgenstein.
Um dos aspectos que capta imediatamente a nossa atenção prende-se com a estrutura do livro, a qual se desdobra em diferentes camadas. Bertrand Russel é o óbvio narrador da sua própria história de vida; contudo, essa narração está a ser feita durante uma palestra que o próprio deu numa universidade norte-americana, no dia após a Grã-Bretanha e a França terem entrado na Segunda Guerra Mundial e que é representada graficamente aqui também. Além dessas duas camadas, a própria equipa criativa ganha vida nestas páginas, surgindo ao longo dos vários capítulos e tornando-nos espectadores, não só da história que querem contar mas de todo o processo criativo da mesma. Uma estratégia que, de certa forma, dota este livro de uma aura mais informal, quase como se de uma conversa entre amigos se tratasse. Esta opção dos autores em se tornarem parte da história assume proporções ainda mais significativas quando nos apercebemos de que estão em sintonia com os grandes paradoxos aqui expostos, os quais foram descobertos graças a uma estrutura de auto-referência. Particularidade esta muito bem focada por Jorge Buescu no prefácio desta edição da Gradiva.
Em termos gráficos, “Logicomix” utiliza um traço simples e de linha clara, evocativo de um estilo francófono, mas com a utilização de tons mais escuros. Sem grandes deslumbramentos gráficos, é muito competente na transposição desta complexa estrutura narrativa para a linguagem da BD, com Alecos Papadatos e Annie Di Donna a conseguirem atingir um perfeito equilíbrio ao longo de toda esta narração visual, nunca nos afastando ou distraindo da história que está a ser contada.
Em tom de conclusão “Logicomix” é uma obra ambiciosa e riquíssima no seu conteúdo, onde até a peça “Oresteia” de Ésquilo é usada no final, a fim de criar um paralelismo entre esta tragédia Grega e o percurso dos lógicos na matemática. Convém, no entanto, salientar que apesar de toda a componente histórica, “Logicomix” não deixa de ser uma novela gráfica, uma que, por vezes, privilegia determinados caminhos da ficção, quando estes funcionam melhor em prol da narrativa.
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