Segundo volume da colecção História do Corpo, editada pelo Círculo de Leitores, “Do Renascimento ao Iluminismo – 2” encerra o período em que o corpo humano viaja entre dois universos distintos, do corpo sagrado ao corpo comum, um corpo que, da ideia de intocabilidade – ou do toque como castigo –, passa a ser um tema de ciência, sendo não só estudado como também dissecado, afirmando-se como marca de poder e ocupando um lugar social muito importante.
O livro começa por falar dos jogos que eram marcados pelo lado físico, onde o corpo antigo reflectia uma visão muito moralista: a ociosidade corre o risco de tornar uma pessoa alheia a deus. Se o vigor corporal e a sua manifestação continuam a ser um sinal de poder, tal irá mudar nos séculos XVI e XVII, numa transformação que poderá ser notada, por exemplo, nos quadros de pintura: os soberanos deixam de assumir posições de combate, passando a preferir-se dar destaque ao requinte da pose e do vestuário. Em termos gerais, os jogos retrocedem em violência e dão lugar à perícia e à mestria física, como são exemplos o balé equestre ou a espada – que passa da força ao cálculo.
Considerada hoje em dia como uma forma arcaica de psicologia, a fisiognomia – a arte de decifrar as linguagens do corpo -, foi também muito importante na história das ideias e também na de civilidade, portadora de uma história do olhar sobre o corpo que, nos finais da Idade Média, se torna um objecto de estudo para a Anatomia, começando a praticar-se a sua dissecação – algo que apenas havia sido feito 15 séculos antes, em experiências realizadas na Alexandria em III a.C.
Quanto à visão da doença, esta mudará com os meios. Se hoje em dia a Medicina alojou a doença no quadro dos paradigmas científicos, durante muito tempo dominaram as intuições e as crenças. O livro aborda as mudanças de atitude para com a doença e a conservação da saúde, mostrando o aparecimento de estratégias destinadas a enfrentar a dor.
Muito interessante é o capítulo intitulado “O corpo inumano”, onde se esboça uma pequena história da tetralogia – a história da ciência dos monstros -, abordando-se as curiosidades suscitadas com as deformidades do corpo, a crueza dos tratamentos, o terror e a repugnância que inspiravam, as formas de comércio a que deram origem. Até que o ponto de partida passa a ser a observação imparcial e fiel de um facto.
Os dois últimos capítulos são dedicados ao corpo do rei que, numa monarquia, era sempre alvo de descrições lisonjeiras – para além de reflectir também a história do poder e do estado -, e da pintura como a arte maior em relação à arquitectura e à escultura, tendo o corpo um lugar privilegiado nas Belas-Artes com a nudez a ocupar um novo lugar na história.
Num parágrafo, este segundo livro da História do Corpo fala do surgimento da necessidade de ver, tocar, abrir, da busca interna do corpo – mas ainda da superstição e de uma medicina popular em paralelo com a ascensão da ciência -, e do corpo como marca de poder e lugar social e da delimitação entre o que é normal e o que é deformado ou monstruoso. Os próximos dois volumes começarão com a Revolução Francesa e estender-se-ão até à Grande Guerra, um período onde o corpo começa a ser pensado física e psiquicamente.
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