A 7 de Agosto de 1974, o jovem francês Philippe Petit andou durante uma hora sobre um cabo de ferro suspenso entre as duas torres do World Trade Center, em Nova Iorque, sem qualquer equipamento ou rede de segurança. Logo a seguir foi preso, juntamente com um grupo de cúmplices, mas para a história assinou aquele que muitos consideram ter sido “o crime artístico do século”.
Na capa da Granta Portugal 5 (Tinta da China, 2015), assinada por Jorge Colombo, temos igualmente duas torres e uma figura graciosa a meio caminho entre uma e outra, mas do arame nem sinal. Um movimento arriscado que ilustra, na perfeição, o título e a missão a que este número se propõe: falhar melhor. Um conceito algo ambíguo, localizado entre o optimismo e o pessimismo, mas que na sua essência retém a ideia de fazer melhor errando.
As ilustrações são de Catarina Sobral, que aqui teve de refrear a sua imaginação a um pouco habitual preto e branco, algo compensado com o traço muito característico com que dá vida às personagens e os cenários riscados que criam a ilusão de um perpétuo movimento.
O ensaio fotográfico, intitulado “A minha vida vai mudar, é um trabalho conjunto de Patrícia Almeida e David-Alexandre Guéniot, um mergulho nestes tempos conturbados onde a Troika entra nas casas dos outros e faz delas a sua morada, das economias desiguais e de revoluções que têm tudo para correr mal. Ainda assim há sorrisos e alguma esperança.
Quanto aos contos, novamente uma mistura de nomes consagrados e outros emergentes, tentam seguir essa ideia de saltar sem rede e de correr riscos; de, como se lê no prefácio de Carlos Vaz Marques, aceitarem o “inevitável exercício de tentativa e erro a que chamamos arte.”
Paulo Varela Gomes abre o livro com uma cartografia da morte, num conto onde o suicídio é posto de lado, Cristo surge como redentor, a homeopatia recebe elogios e se avança com a ideia de que “morrer é mais difícil do que parece“; a partir de uma frase – “És repugnante” – que ficou gravada na alma do protagonista, Pedro Mexia apresenta o amor como gramática, fazendo de cada um poeta-para-si-mesmo; Hertha Müller conta-nos que vistos de trás os penteados das mulheres são como gatos siameses, mergulhando o leitor num mundo onde se desconfia da linguagem ao mesmo tempo que se ama os seus truques – e onde as coisas imaginadas se tornam um vício; Jonathan Franzen dá-nos um homem sem alma, criado numa família evangélica, que consegue enganar um polígrafo e quer mostrar que a inocência é sempre voluntária; Bruno Vieira Amaral apresenta-nos a um em tempos infeliz proprietário de um bar na margem sul, que tentou a todo o custo contrariar sem sucesso uma velha máxima popular: cada um é para o que nasce; Cláudia Clemente lidera-nos numa viagem ao universo do Second Life, onde Sue, uma gorda frustrada, viciada em chocolates e pastilha elástica, encontra um mundo (aparentemente) mais protegido e confortável; Gore Vidal mostra-nos a igreja como um golpe de marketing e falcatruas; Howard Jabobson revisita os seus tempos australianos entre Melbourne e Sydney, indo ao encontro daquele ditado que diz que não se deve regressar a um sítio onde se foi (in)feliz; com Joana Bértholo conhecemos, entre paredes pretas e brancas, o produto resiliente de um desamor; Simon Schama recria o conto histórico subindo escarpas e perdendo sangue; Rui Ângelo Araújo constrói um viaduto que se torna “o rastilho finalmente ateado de uma explosão já muito esperada” entre um pai e um filho, este último preso num limbo entre a impossibilidade de abandono e do (desejado mas impossível) regresso; cabe a Jacinto Lucas Pires encerrar com letras douradas esta edição da Granta, a partir da ideia de que é possível falhar a nomeação dos objectos desde que nos lembremos dos seus nomes. Afinal, “escrevemos para falhar tão gloriosamente quanto possível. Para espalhar o frio“. A boa notícia é que a Tinta da China vai deslizando sem falhas, estando a edição do sexto volume da Granta Portugal prevista já para este mês. O tema? “Noite”.
Sem Comentários