Quem abrir “Fome de fogo” (Bertrand Editora, 2014) meio distraído e der com a foto dos autores na lombada, provavelmente pensará tratar-se de uma biografia sobre uma banda praticante de música com alguma obscuridade, habituada a tocar em lugares andrajosos para meia dúzia de gatos pingados (e acusando um elevado grau de pinga). Meio engano. Jerker Eriksson e Hakan Axlander Sundquist são gente muito respeitável, com um passado ligado ao eletropunk, às artes e à música que, sob o pseudónimo de erik axl sund, se dedicam agora à escrita, com romances carregados de negrume como é o caso deste”Fome de fogo”, segundo volume da trilogia As Faces de Victoria Bergman, que se tornou num dos mais celebrados fenómenos da literatura criminal sueca.
Em “A rapariga-corvo”, o primeiro volume da série, fomos apresentados ao trio de mulheres que constituem a cabeça, o corpo e os membros desta saga: Sofia Zetterkund, uma psicoterapeuta que tem entre mãos dois casos fascinantes: o de Samuel Bai, um menino-soldado da Serra Leoa, e o de Victoria Bergman, uma mulher subjugada a um trauma profundo de infância – Victoria que está também no centro da narrativa; a terceira mulher dá pelo nome de Jeanette Kihlberg, investigadora que tem a difícil missão de desvendar o que está por detrás de uma série de homicídios que envolvem crianças estrangeiras, todas elas encontradas mortas em locais públicos da cidade de Estocolmo.
Se a meio do livro as coisas arrefeciam de certa forma, parecendo dirigir-se para os pantanosos terrenos da previsibilidade, o final oferecia um arrepiante twist, que provocava no leitor a ânsia de ter nas mãos o segundo volume da série. Volume que, diga-se em boa verdade, não defraudou em nada as expectativas. Se “A rapariga-corvo” tinha oferecido um pálido esqueleto de quem seria Victoria Bergman, “Fome de fogo” dá-lhe o sangue, a matéria carnal e o oxigénio necessários à insuflação de vida, criando algo parecido a uma Lizbeth Salander em versão descontrolada e tremendamente imprevisível.
Neste segundo tomo, Jeanette Kihlberg continua a investigar os casos dos meninos mortos, mas a falta de indícios e a vontade política de arquivar o caso parecem condenar os crimes ao esquecimento. Kihlberg aproveita os tempos livres para prosseguir a investigação pela calada, mas tem de entrar em acção quando um homem de negócios é encontrado morto naquilo que parece ter sido um ritual de morte e vingança.
Já Sofia Zetterlund mergulha cada vez mais no seu passado, ao mesmo tempo que se vai envolvendo cada vez mais na investigação de Kihlberg, com quem mantém uma relação de amizade extremamente colorida. Quanto a Victoria Bergman, todos os caminhos parecem conduzir até si, estando o anonimato conseguido em finais da sua juventude perto de ser posto debaixo dos holofotes.
Carregado de suspense, “Fome de fogo” apresenta-nos o retrato de Victoria Bergman, preenchendo os espaços em branco que haviam ficado do livro anterior e ajudando a construir um mito. Espera-se agora que ”As instruções da Pitonisa”, o último livro da série, não defraude as expectativas geradas, e que finalmente as sombras caiam sobre a cidade de Estocolmo. O futuro é negro e pertence a Victoria Bergman.
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