Com os termómetros a derreterem que nem gelados perto dos 40 graus centígrados, os mais incondicionais adeptos do tempo quente podem gritar sem medo e a plenos pulmões “Finalmente o Verão” (Planeta Tangerina, 2015), título da novela gráfica assinada pelas primas Jullian Tamaki e Mariko Tamaki que se vem juntar à recomendada colecção Dois Passos e Um Salto.
Estamos, porém, muito longe de um livro que tenha como grande inspiração ou mote a estação mais quente do ano. O calor, aqui, serve apenas de pano de fundo para uma tragédia de grande amplitude, uma que assinala o fim da infância, a entrada na adolescência e as dores – físicas e psicológicas – associadas ao inevitável processo de crescimento.
Desde pequena que Rose, a narradora deste livro de banda desenhada pintado a azul e branco – que deve andar nas suas 16 primaveras -, passa as férias de Verão em Awago Beach, numa cabana junto ao lago com ar de refúgio. É lá que encontra, desde que se consegue lembrar de si própria, a amiga Windy, cerca de dois anos mais nova e que é uma espécie de irmã. E, se a pequena diferença de idades que as separa nunca foi um problema, de súbito parece haver uma geração inteira entre elas.
Este ano, ao contrário dos anteriores, há algo diferente no ar, que faz com que Rose pressentia um verão muito diferente, começando pelos pais que não perdem uma oportunidade para discutir um com o outro. Quanto a Rose e Windy vão dividindo o tempo entre idas à praia e passagens cada vez mais frequentes pela loja da aldeia, onde compram gomas e alugam filmes de terror – entre os alugueres estão filmes de culto como “Tubarão”, “Sexta-Feira 13” ou “Massacre no Texas”.
Será nessa loja, onde trabalha um rapaz mais velho chamado Duncan, que as raparigas assistirão ao nascimento de um drama juvenil, uma espécie de telenovela de verão muito séria – lembram-se do último episódio da série “Verão Azul”? -, que terá nas suas vidas um peso muito maior do que o esperado, como se algo nelas – sobretudo em Rose – se tivesse partido sem haver qualquer possibilidade de conserto.
Os desenhos de Jillian Tamaki são envolventes no uso que faz do branco e das muitas variações de azuis, reflectindo muitas das suas influências e paixões onde se inclui, também, algum perfume manga. A ilustração dupla das páginas 54 e 55, por exemplo, transmite de forma superior o ambiente anárquico do quarto de uma adolescente: uma jovem deitada numa cama por fazer, pés descalços sobre lençóis e coberta, roupa usada no chão e pendurada onde ainda há sítio, copos de vidro pousados na mesa de cabeceira e no chão, todo o tipo de objectos fora do lugar.
Um livro belíssimo sobre a perda da inocência e as diferentes e impartilháveis etapas de crescimento, que levou para casa um sem número de distinções.
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