No final da Segunda Grande Guerra, depois da muito aguardada queda da Alemanha, era urgente encontrar e, acima de tudo, punir culpados. Milhões de mortos e variadíssimos crimes contra a humanidade tinham de ser vingados com vista a restituir uma réstia de dignidade e justiça.
A Europa vivera um dos seus períodos mais negros entre 1939 e 1945 e, da luta entre Aliados e Forças do Eixo, os vencedores, se é que existiram, queriam o regresso da normalidade e, para isso, era necessário um julgamento global e público. Franklin Roosevelt, José Estaline e Winston Churchill ainda hesitaram entre execuções sem julgamento e um julgamento realizado por um Hermanntribunal internacional mas a segunda via, mais racional, acabou por vencer.
Diversos especialistas em direito internacional analisaram o perfil e ação dos arguidos e tentaram distinguir entre líderes, organizadores, instigadores, cúmplices, conspiradores e outros. A acusação variava entre Crimes contra a Paz, Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade. As definições variavam, as consequências foram igualmente devastadoras e inimagináveis.
A sete de maio de 1945, a Alemanha rendia-se oficialmente e entre maio e outubro os Aliados analisaram os crimes praticados pelas forças do Terceiro Reich e, entre os nomes dos assassinos, figuravam figuras como Hermann Goering ou Ernst Kaltenbrunner. Detidos, os antigos membros nazis ocuparam as celas da prisão de Nuremberga e, enquanto aguardavam julgamento, foram entrevistados por Leon Goldensohn, um psiquiatra norte-, como os já referidos Goering e Kaltenbrunner mas também Hans Frank, Joachim von Ribbentrop, Rudolf Hoess ou Albert Speer.
Goldensohn, que fez parte da 63. ª Divisão de Infantaria do Exército do Mississípi enquanto capitão, chegou ao 121. º Hospital de Nuremberga a 29 de setembro de 1945, já com a patente de major, e organizou uma série de dossiers sobre os detidos que serviram a loucura liderada por Adolf Hitler.
Ao folhear as quase 600 páginas de “Entrevistas de Nuremberga” (Tinta da China, 2014) verificamos, de forma clara, a capacidade (ou tentativa) manipuladora da psicologia “barata” utilizada pelos detidos que, quase na sua totalidade, afirmavam desconhecer por completo a estratégia de Hitler, limitando-se a cumprir ordens como um bom militar.
Essa tentativa de racionalização, quebrada pontualmente por homens como Speer ou Hess, está bem patente neste fabuloso grupo de entrevistas que ousam revelar várias facetas. Karl Donitz, autor do primeiro testemunho e o oficial mais graduado dos entrevistados, oferece, por exemplo, uma análise parcialmente interessante da Segunda Grande Guerra por parte do Terceiro Reich.
Segundo Donitz, muitos oficiais não sabiam sequer da “Solução Final”, limitando-se a, mais uma vez, “cumprir ordens” e, ainda que reconheçam as perseguições étnicas levadas a cabo pela SS, afastam-se dessa responsabilidade.
Para muitos dos arguidos, as entrevistas de Goldensohn eram uma forma de conseguir alguma credibilidade (em alguns casos completamente bacoca), de forma a saírem beneficiados no que toca à sua defesa e presença em tribunal.
A manipulação, ou a tentativa da mesma, é diversas vezes notória em “Entrevistas de Nuremberga” e a frieza de algumas declarações deixam o leitor entender um pouco do raciocínio dos acusados.
Numa das mais intensas declarações de Goring, este afirmou: «Penso que não é nada desportivo matar crianças. É isso que mais me incomoda no extermínio dos judeus.» Hoess foi mais longe no que toca a sua desresponsabilização reagindo às perguntas de Goldensohn de forma fria e distante. Em resposta a uma questão do psiquiatra afirmou mesmo: «Não entendo o que quer dizer com ficar perturbado com estas coisas porque eu, pessoalmente, não assassinei ninguém. Era apenas o diretor do programa de extermínio de Auschwitz.»
Mesmo décadas depois é ainda hoje impossível não sentir um arrepio ao lembrar as atrocidades cometidas durante a ditadura nazi na Europa e, este livro, assume-se como um documento essencial para a compreensão e contextualização da história do Terceiro Reich e da Segunda Grande Guerra. Para que a memória não se apague.
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