Diz-se que Vila Nova de Mil Fontes é o lugar de Portugal mais mentiroso. Primeiro, não é vila; segundo, não é nova; e, terceiro, está longe de ter mil fontes. “Comédia em modo menor” (Sextante, 2015), livro publicado por Hans Keilson (1909-2011) em 1947, está longe de reunir um triunvirato da mentira mas, desde logo, apresenta um título que mente com os dentes todos. Ao contrário de uma comédia menor, este pequeno-grande livro é, antes, uma tragédia humana de proporções épicas, construída a partir do acaso da guerra.
Wim e Marie são um casal holandês que resiste à ocupação nazi e que, como sinal de desobediência – e igualmente com a ideia de tal ser mostrado como um troféu no pós-guerra -, acolhe em sua casa Nico, um judeu em fuga que, durante um ano, vive confinado ao seu quarto, um isolamento apenas intercalado com as visitas ao quarto de banho e algumas descidas à cozinha do rés do chão. Para Nico, «uma estada assim no rés do chão era como uma viagem a outro país.»
Quando Nico morre de pneumonia, Wim e Marie têm de arranjar uma forma dissimulada de se livrar do corpo, mas um erro aparentemente inofensivo fará com que tenham, também, de se refugiar, vivendo agora no papel de fugitivos.
“Comédia em modo menor” é um livro com ascendência Kafkiana, onde Hans Keilson mostra como uma pessoa sedentária rapidamente se pode transformar num fugitivo, escrutinando o autor o comportamento humano em situações-limite.
Há, porém, muito mais do que uma história de guerra. Hans Keilson conta-nos, em poucas páginas, o fim de um relacionamento provocado pela proximidade, e da forma como a rotina – dos gestos e dos lugares – pode ser, afinal, a única salvação para o casamento e a ideia de amor. Mascarada de comédia negra, mora aqui uma tragédia de proporções épicas.
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