Após a sua estreia em Portugal, no ano passado, com “O Espelho de Mogli” (MMMNNNRRRG), Olivier Schrauwen está de regresso. Neste “Cinzas” (MMMNNNRRRG/Mundo Fantasma, 2015), o autor pretende narrar um episódio muito particular e pessoal da sua vida: o dia em que, nos seus 33 anos, foi raptado por extraterrestres em Neukölln, na Alemanha. Como já deu para perceber, “Cinzas” trata-se, de certa forma, de um pequeno ovni, começando pela sua temática e terminando na própria edição, propositadamente “tosca e desajeitada” para melhor transmitir esta experiência.
Numa curta introdução, Schrauwen justifica a sua opção por narrar estes acontecimentos através da Banda Desenhada, aproveitando-se do facto de estarmos perante uma arte que mistura duas linguagens distintas. Desta forma, entre texto e imagem, o autor procura encontrar o equilíbrio perfeito para melhor nos traduzir esta experiência nada convencional.
A nível gráfico estamos perante um trabalho mais simples do autor, o qual recorre a duas vinhetas por página, colocadas sempre na mesma posição, para contar esta crónica. É suposto “Cinzas” ser um retrato fiel de uma sequência de acções e, nesse sentido, Schrauwen trata a história de uma forma documental, contando detalhadamente tudo que aconteceu e procurando alternativas narrativas mais criativas para expressar momentos de grande emoção. Se uma imagem vale mais do que mil palavras, o autor procurou jogar com isso.
À semelhança de “O Espelho de Mogli”, Schrauwen continua a ter o dom de nos fazer rir, reflectir e intimidar ao mesmo tempo. Aqui, os sentimentos e o corpo humano voltam a ser explorados, sem qualquer tipo de pudor ou restrição, numa amálgama entre humor, erotismo e repulsa. Se, à primeira vista, “Cinzas” parece tratar-se apenas de uma forma de parodiar os relatos sobre raptos alienígenas, convém reforçar que não é o caso. Schrauwen tem sempre algo de valor a transmitir nestes delírios, e é na razão por detrás destes raptos que o autor se volta a debruçar sobre a identidade do Homem, numa forçosa auto-reflexão que todos deveríamos fazer.
“Cinzas” surge assim, tendo em conta a nossa actualidade, numa altura pertinente, sublinhando a importância de avaliarmos a nossa História de forma sequencial, ao longo do tempo e do espaço, ao invés de simplesmente olharmos para um determinado acontecimento de forma isolada. Porque o mundo não é a preto e branco, mas antes em tons de cinza.
Em termos editoriais este trabalho assinala uma nova etapa entre as parcerias da editora MMMNNNRRRG e da loja Mundo Fantasma. Desta vez, além de organizar uma exposição com a presença do autor, a Mundo Fantasma também editou, em conjunto com a MMMNNNRRRG, este novo trabalho de Olivier Schrauwen. A impressão foi feita a risografia em Teal, Blue, Fluo ou Burgundy, existindo ao todo 75 exemplares para cada uma destas cores. Para os interessados, a forma mais fácil de adquirir um exemplar é através da loja Mundo Fantasma, no Porto, ou comprando-a através do site da associação Chili com Carne .
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[…] a debruçar sobre a identidade do Homem, numa forçosa auto-reflexão que todos deveríamos fazer. Gabriel Martins in Deus me livro … é um relato aparentemente com aspecto tosco e desajeitado mas que, na sua essência, […]