Cãoboio. Cãotribuição. Cãodeeiro. Cãofiança. Não se assustem, não há por aí um novo – e ainda mais inútil – acordo ortográfico a caminho de Portugal continental, ilhas e outras comunidades. Estas novas, inventadas e muitas engraçadas palavras fazem parte do “Cãopêndio” (bruáa, 2015) de Tóssan, que vem dar voz gramatical ao melhor amigo do homem.
Na cãoversa preliminar ao livro, Tóssan mostra dotes para a gramática canídea, sobretudo para compreender os palavrões que estes vão trocando nos jardins públicos e privados, deixando alguns versos deliciosos como estes:
Ainda bem que os humanos são ignorantes,
Porque outros cães que ouviram e perceberam, Coraram,
Ficaram ofendidos
E taparam os ouvidos!
Nascido em Vila Real de Santo António em 1918 (morreu em 1991), António Fernando dos Santos ficou conhecido por Tóssan. Foi um artista que chegou a todo o lado, deixando obra na pintura, na ilustração, na caricatura, na poesia e no design gráfico. Concebeu dezenas de capas de livros, tendo-se destacado pela parceria que estabeleceu com o escritor Leonel Neves, ilustrando os seus textos para a infância. A partir da década de 40, já na cidade maior da estudantada, foi o caricaturista de serviço, colaborando intensamente com o Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra. Entre 1961 e 1964 foi o responsável pelos trabalhos gráficos da Embaixada do Brasil em Lisboa, iniciando a partir de 1973 a coordenação do sector de publicações de Direcção-Geral de Divulgação. Na imprensa, foi um dos criadores do suplemento juvenil do Diário de Lisboa e colaborou no jornal humorístico “O Bisnau”.
Com mais de meio século desde a sua publicação original, “Cãopêndio” é agora alvo de uma bela (re)edição em capa dura e formato de bolso, saindo do imerecido esquecimento – e desconhecimento – a que parecia estar destinado.
Poesia visual com muito sentido de humor, “Cãopêndio” chega mesmo a oferecer ao leitor uma página inteira, cãovidando-o a “inquiliná-la” à sua vontade. Se der por si a rir que nem um canídeo ao vaguear por esta galeria de ilustrações, não há necessidade de recorrer ao veterinário mais próximo. Porque, como se costuma dizer na gíria popular, soltar uns Aõ-Aõ-Aõ é mesmo o melhor remédio.
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