Atropa belladonna, comummente apelidada de beladona, é uma das plantas mais venenosas do hemisfério leste. Como não responde bem à exposição solar, esta planta acaba por desenvolver-se em ambientes mais sombrios e húmidos. Ao terminarmos a leitura da mais recente história de Ana Recalde e Denis Bello, compreendemos o quão bem escolhido foi o título. É certo que a planta faz a sua aparição na história mas, à sua semelhança, este “Beladona” (Avec Editora, 2014) é também uma criatura venenosa, que floresce mais na escuridão do que na luz.
Neste livro seguimos, ao longo de cinco capítulos, o crescimento de Samantha, desde que tinha sete anos até completar a maioridade. Durante este percurso de vida passamos pelos lugares comuns da infância e adolescência; contudo, “Beladona” parece mais interessado em mergulhar no mundo dos sonhos do que no mundo dos acordados e é aqui que Samantha se distingue.
Logo no início ficamos a saber que, quando ela dorme, é transportada para um tenebroso pesadelo, o qual parece pertencer tanto a ela, como ao resto do mundo. Serão os sonhos, ao contrário do que pensávamos, um local partilhado, ao invés do canto secreto e isolado na nossa mente? Uma coisa é certa, o interesse que este pesadelo parece ter na sua vida aparenta ser muito maior do que na dos outros, revelando, aos poucos, que tudo isto se pode tratar de um plano muito mais assombroso do que aquilo que Samantha alguma vez imaginou.
Durante a primeira metade de “Beladona” encontramo-nos perante uma história que parece mais preocupada em se debruçar nos territórios do terror psicológico, mostrando-nos a influência que terríficos pesadelos podem ter no crescimento de alguém. No entanto, a dada altura, a história acaba por se afastar de futuras psicologias mais profundas, para se apresentar definitivamente como uma história mais ligada ao género da aventura, privilegiando o tom gore ao do terror psicológico. Uma opção que, não se tratando de um defeito – mas de uma preferência -, poderá desapontar alguns.
Em relação a Denis Belo, tanto a nível de desenho como de cor, o autor consegue criar um universo imagético que assenta perfeitamente na atmosfera de terror que as palavras da autora pediam. Logo nas primeiras páginas podemos constatar a força que a união entre estes dois autores é capaz de alcançar. A introdução de Samantha, durante o seu pesadelo, não se trata só de uma das cenas maiores do livro, como também uma das mais memoráveis apresentações a uma personagem. E, se nos sonhos não existem barreiras, faz sentido a opção dos autores em não usar linhas para separar as vinhetas, quando estamos precisamente a viajar por esse mundo. Esta “liberdade” e atenção são provas de que “Beladona” apresenta uma estrutura bem delineada e imaginativa ao longo da sua narrativa.
Editado pela Avec Editora (Brasil), “Beladona” é uma das mais recentes amostras do trabalho desenvolvido no Brasil em torno da Banda Desenhada, tratando-se de mais uma boa oportunidade para conhecer dois novos autores que prometem continuar a brindar-nos com muitos mais sustos no futuro.
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