Tal como muitos milhares de judeus em plena Segunda Guerra Mundial, o italiano Primo Levi foi deportado para um “campo de trabalho” nazi. O calendário apontava Fevereiro de 1944 quando o promissor químico, na altura com 24 anos, recebeu ordem de deportação para Auschwitz, o derradeiro destino de milhares de pessoas cuja existência não os concebeu enquanto ideais do perfil ariano.
Nessa malfadada experiência, Levi trabalharia na companhia de Leonardo De Benedetti, médico prisioneiro judeu que, mais tarde, depois do final da guerra e da libertação dos campos de concentração pelos Aliados, seria camarada de escrita de um relatório sobre as condições de higiene nesses referidos infernos na terra, a pedido do exército soviético.
Terá sido o primeiro grande exercício reflexivo sobre os Lager – forma como eram também conhecidos os locais de extermínio edificados pelo Terceiro Reich -, tendo chocado pela objectividade e pelo detalhe – “tocava pela precoce e indignada lucidez” – assumindo-se como um primeiro e extraordinário testemunho de Primo Levi, uma das vozes mais relevantes no que toca à antologia de memórias sobre o Holocausto.
Esse relatório e vários outros textos, até à data inéditos de Levi e de De Benedetti, foram agora reunidos em “Assim foi Auschwitz” (Objectiva, 2015), uma reflexão sobre a experiência vivida por mártires que, pela sua condição e convicção religiosa, foram alvo da maior atrocidade vivida pelo ser humano.
Ao longo das quase 300 páginas revivem-se momentos, memórias, factos e dores, mas também – e é isso que distingue de certa forma esta obra das demais escritas sobre o tema – se fazem reflexões e críticas fundamentadas que tornam “Assim foi Auschwitz” numa importante peça que permite conhecer melhor o doloroso e complicado puzzle que foi a Segunda Guerra Mundial e que, sete décadas depois, continua a ser como sal sobre feridas que teimam em não sarar.
Dividido em “capítulos” que versam sobre textos e reflexões registadas entre 1945 e 1986, “Assim foi Auschwitz” inicia precisamente com “Relatório sobre a organização higiénico-sanitária do Lager de Monowitz (Auschwitz III)” – peça inicialmente publicada na revista turisense Minerva Medica e redigida a quatro mãos – e prossegue com vários textos, cronologicamente ordenados, a maioria da responsabilidade de Levi, dos quais se poderão destacar “Relação do dr. Primo Levi nº matrícula 174517 sobrevivente de Monowitz-Buna”, “Testemunhos de um companheiro de prisão”, “Aniversário”, “Carta à filha de um fascista que pede a verdade”, “A deportação de judeus” ou “À nossa geração”.
Entre um registo factual, analítico, e outro lado mais emotivo, há também espaço para a imagem, especificamente no anexo “Documentação fotográfica”, onde o leitor pode contemplar exemplares de época entre relatos oficiais, páginas de jornal ou originais de alguns textos presentes no livro, peças que tornam “Assim foi Auschwitz” uma importante “página” da história de um drama que atingiu desumanamente milhões de inocentes. Como diria Levi, “somos homens, pertencemos à mesma família humana a que pertencem os nossos carrascos. (…) Somos filhos dessa Europa onde está Auschwitz.”
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