Jurista, divorciada, três filhos. É esta a parca informação que encontramos na lombada de “Ana de Amsterdam” (Quetzal, 2015), livro de Ana Cássia Rebelo que reúne alguns dos textos publicados no blogue com o mesmo nome, uma espécie de escritório virtual/sentimental que Ana mantém em actividade desde o ano de 2006.
Os textos, reunidos cronologicamente, foram escolhidos a dedo por João Pedro George, que a eles se refere, no prefácio, como um «imenso solilóquio sobre a solidão», «um emaranhado da autobiografia e ficção.»
Percebe-se, logo desde as primeiras linhas, que estamos perante uma mulher habitada por uma solidão imensa, uma tristeza crónica, que vive grande parte do seu tempo numa dimensão obscura. Porém, aquilo que à partida poderia ser visto como matéria talhada para a literatura cor-de-rosa – «mulheres que coabitam com a frustração, asfixiadas pela casa, pelos filhos, pelo trabalho, pela falta de apoio» (do prefácio) – ou, dito de outra forma, de carácter confessional com propensão para o drama, é transformado por Ana Cássio Rebelo num grito individual, de alguém que se habituou a viver com a depressão fazendo dela a sua melhor amiga.
“Ana de Amsterdam” é um livro violento, quase em carne viva, onde Ana Cássia Rebelo se expõe muito para lá da roupa interior: fala-se das consultas com o psiquiatra, dos prenúncios de suicídio, das memórias de infância, da herança indiana, de sexo ocasional em quartos baratos e de uma estranha relação com o corpo, de um apetite voraz, de sexo, amor, fluidos, muco e sangue.
A autora combina na perfeição o uso de metáforas, o desejo de poesia e a observação de tudo o que a rodeia, numa escrita que, afastando toda e qualquer ideia de pudor, nunca chega a ser pedante, antes impiedosa, saturada de humor negro e perfumada com o aroma da sexualidade.
Corolário de uma confissão, o livro termina com um obituário em nome próprio (só podia ser assim): «A morte pesou-me mais do que a vida.» Quem escreve desta forma não pode viver fechada num blogue. A literatura agora espera por Ana Cássia Rebelo.
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