Nos tempos modernos, a família tornou-se, felizmente, uma instituição sentimental bem diferente daquilo que era há uns anos – décadas? – atrás, presa a uma tradição e a um (por vezes) espírito forçado de dever que, em certos casos, carregava consigo a tristeza, o alheamento e a falta de amor.
Carla Maia de Almeida, jornalista de imprensa desde 1992 e autora de livros infantis entre os quais está, por exemplo, uma pedra preciosa conhecida por “Irmão Lobo” (Planeta Tangerina), decidiu mostrar aos mais pequenos os muitos tipos de família que existem nas suas cidades, ruas, escolas e, também, casas: as famílias tradicionais, onde se fala alto, há brincadeiras e zangas, se acende a lareira e se passa muito tempo na cozinha (do peixe assado aos xaropes para a tosse à base de cactos); as famílias de acolhimento, com as portas sempre abertas e «onde o amor não é ciumento nem avarento»; mas também as famílias com pais do mesmo sexo, as multiculturais, as que têm nos avós uns fortes pilares ou as que ensinam os filhos a nadar e a subir às árvores. Tudo sem um olhar preconceituoso ou fechado, uma vez que o que atrás foi lido se pode cruzar e partilhar entre famílias, independentemente do número ou do género.
Em “Amores de Família” (Caminho, 2015), a autora parte da mitologia greco-latina – há mesmo um ABC dos deuses a encerrar o livro – para recriar as relações familiares, em textos que ficam entre o saber enciclopédico, o perfil psicológico e o bom gosto literário para apresentar situações do dia-a-dia, onde surgem coisas tão diversas quanto o combate à comida de plástico, o amor pelos animais abandonados, as garagens-oficina como o lugar da criação, o desembaraçado espírito motard ou a paixão desenfreada pelas feiras de velharias.
Com ilustrações de Marta Monteiro, muito carregadas de muita cor e um espírito de representação iconográfico onde se sente a reconfortante presença do design e da pintura, “Amores de Família” apresenta uma verdade irrefutável para quem anda nesta vida de constituir família: tirando os poderes sobrenaturais, todos somos deuses. Cada um à sua maneira.
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