Inserido na colecção Retratos da Fundação, “Aleluia” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015), de Bruno Vieira Amaral, pretende ser uma reflexão sobre as igrejas minoritárias e os novos movimentos religiosos em Portugal.
O autor começa por recordar a entrada da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) no nosso país. Depois de uma primeira fase mais “discreta”, a IURD, uma igreja evangélica neo-pentecostal, decidiu adoptar uma postura mais agressiva, criticando abertamente o favorecimento do estado português à Igreja Católica e certas práticas tradicionais portuguesas, como o luto ou as festas dos santos populares. Esta atitude de confronto originou uma reacção de repúdio por parte de alguns sectores da sociedade portuguesa, que atingiu o seu ponto mais alto aquando da tentativa falhada da IURD em adquirir o emblemático Coliseu do Porto.
Segundo Bruno Vieira Amaral, foram momentos como este que vieram abanar o estado das coisas em Portugal no que respeita aos movimentos religiosos. Se a revolução de Abril pouco impacto teve no crescimento de alternativas às práticas religiosas dominantes, com um aumento pouco significativo relativamente aos números verificados desde o início do século XX, casos como o da já citada IURD e da Igreja Maná representaram um ponto de viragem no nosso país, obrigando o governo a proceder a alterações na lei religiosa do país.
Nos dias de hoje a situação alterou-se de forma significativa e, a um ritmo quase diário, são criadas novas igrejas em Portugal. Igrejas sobre as quais o autor acredita sabermos muito pouco, apesar de as mesmas estarem cada vez mais disseminadas pelas nossas cidades. São na sua maioria compostas por pessoas que querem viver a sua fé de uma forma mais autêntica, mais intensa, com uma maior proximidade com a divindade. Pessoas que, perante um problema grave, seja ele económico ou de saúde, tentam encontrar uma resposta que sentem não conseguir obter na igreja católica ou nas igrejas ditas “tradicionais”.
Para que melhor possamos analisar e compreender esta realidade, mais dinâmica do que a que se verifica, por exemplo, na conservadora igreja católica, o autor apresenta algumas destas pessoas, dando-nos conta do seu percurso no seio de diferentes igrejas evangélicas e neo-pentecostais.
Como João Viegas que, desde cedo e por influência da mãe e do irmão mais velho, começou por frequentar os cultos da Assembleia de Deus em Cascais. Recorda-se de que, com apenas oito anos, subia aos bancos do comboio para pregar «Jesus como a salvação dos perdidos». Esta vocação para o pastorado confirmou-se anos mais tarde, quando João e a família já frequentavam um outro movimento religioso, nomeadamente a Igreja Maná, na altura em rápida expansão. Esta mudança, para João, não se tratou de uma ruptura, antes de uma transição pacífica para uma igreja cujo culto era mais intenso, mais emocional, onde existia lugar, por exemplo, para a crença na cura divina, atingida através da fé. João percorreu todos os níveis da hierarquia da Igreja Maná até chegar a bispo. Contudo, mais tarde, começou a sentir-se desiludido com algumas mudanças ocorridas no interior desta igreja, sentindo-se igualmente frustrado com o nível de dedicação exigido, asfixiado por uma igreja que parecia querer «isolar-nos de tudo, da família, dos outros, queria que fôssemos ilhas». Após anos de luta consigo mesmo, João abandona a igreja Maná e, aos 29 anos, depois de visitar e conhecer outros movimentos religiosos, acaba por fundar a sua própria igreja: os Ministérios João Viegas.
O percurso de Nuno Soares é, de certa forma, semelhante ao de João Viegas. Em contacto com o fenómeno religioso desde tenra idade, participando nas reuniões de um grupo de estudo bíblico juntamente com a sua família, Nuno sentia-se apaixonado por Deus, numa relação que acreditava ser recíproca. Este grupo de estudo cresceu até se transformar na Igreja Evangélica Baptista do Vale da Amoreira, e foi no seu interior que Nuno sentiu nascer o desejo de se tornar um missionário. Após concluir a sua licenciatura em Engenharia Civil entra para o Seminário Teológico, onde são formados os futuros pastores da organização que agrupa a grande maioria das igrejas evangélicas baptistas, a Convenção Baptista Portuguesa. Se, como criança, Nuno conheceu um lado mais humano e alegre da religião, onde nada lhe proporcionava maior satisfação do que «cantar na igreja e adorar Deus através da música», Nuno entra agora em contacto com uma realidade mais intelectual e menos espontânea, onde a razão aparenta subjugar a emoção. O seu sonho era o de conseguir unir estas duas posições mas, à medida que avança no seminário, começa a duvidar ser capaz de concretizar o seu objectivo. Sentindo-se oprimido pela igreja da qual faz parte, pelo seu excessivo formalismo, Nuno decide, após um período de incerteza e reflexão, abandoná-la, sendo alvo de fortes críticas no interior da comunidade, tal como tinha acontecido com João Viegas. Contudo, o caminho seguido por Nuno após este abandono acaba por ser radicalmente oposto ao do escolhido por João, decidindo abandonar qualquer forma de religião organizada para optar por uma postura mais intimista, em que fiéis se juntam em casa uns dos outros para ler a Bíblia e discutir o seu conteúdo. Segundo as palavras do próprio, «vivia do que falava e agora falo do que vivo». Nuno acaba por concretizar o seu sonho e parte, juntamente com a família, como missionário para Praga.
“Aleluia!” lê-se de um fôlego e recomenda-se a todos os interessados no fenómeno religioso, ou a todos aqueles que desejem conhecer mais sobre igrejas minoritárias que começam, pouco a pouco, a ganhar visibilidade no nosso país. Aliás, esta necessidade de afirmação tem cada vez mais adeptos no seio dos próprios movimentos religiosos, como se constata na parte final do livro, onde ficamos a conhecer Tiago Cavaco, o mediático pastor baptista apontado como um caso de sucesso de comunicação com o mundo exterior.
Muitos acreditam que tempos conturbados como os que agora vivemos são ideais para a proliferação de movimentos religiosos, já que as pessoas tendem a procurar no domínio do espiritual conforto para as dificuldades sentidas no seu dia-a-dia. Nada melhor, portanto, do que seguirmos Bruno Vieira Amaral na sua tentativa de descobrir o que é afinal a fé e a razão porque nela encontram conforto milhões de pessoas em todo o mundo.
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